Acórdão nº 016/14 de Tribunal dos Conflitos, 10 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução10 de Setembro de 2014
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos: I RELATÓRIO 1. i) A……………… e ii) B………………..

instauraram, pelas Varas Mistas da Comarca de Guimarães, ação declarativa com processo comum e forma ordinária, contra: i) IEP, INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL; ii) AENOR-AUTOESTRADAS DO NORTE; iii) C………………, D…………………. — OTIMIZAÇÃO DOS MEIOS PARA A CONSTRUÇÃO DO LOTE 5.1 DA AUTO ESTRADA A7 ACE; iv) E………………., S.A.

pedindo: a) O reconhecimento aos AA. do direito de servidão de aproveitamento das águas e de aqueduto, em relação às águas armazenadas nas poças e nas proporções referidas no artigo 8º do Peticionado, e delas conduzidas para o prédio dos AA.; b) A condenação dos RR. na realização das obras necessárias à restituição aos AA. do direito de aproveitamento das águas, de forma a que lhes seja assegurado o aproveitamento das mesmas para irrigação durante o ano inteiro, de todo o seu prédio, ou, subsidiariamente a pagar aos AA. a quantia de € 50.000,00, a título de compensação pelos prejuízos resultantes da desvalorização do prédio com a perda definitiva de rendimentos futuros; e c) A condenação dos RR. no pagamento aos AA. da quantia de € 2.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos pelos AA. nos anos 2003 a 2006, da atividade agrícola não desenvolvida no mesmo prédio, em consequência da perda absoluta do aproveitamento, bem como acrescida dos juros legais a contar da citação e ainda nas custas e procuradoria condigna.

  1. Alegaram para tanto, em síntese: 2.1 Os AA. são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico situado no lugar de ……….., freguesia de …………….., concelho de Guimarães, adquirido por compra e venda, outorgada em escritura de 9 de maio de 1975, com registo da aquisição na respetiva conservatória do Registo Predial.

    2.2 Tal prédio rústico — concretamente, as verbas números seis a treze, que o integravam - era irrigado pelas águas da Poça do Amieiral e da Poça da Trebolha, conduzidas através de vários prédios para o prédio dos AA, por dois regos térreos de consorte distintos, tendo-se constituído, por usucapião, uma servidão de aproveitamento daquelas águas e de aqueduto a favor do prédio dos AA.

    2.3 Em 2003, iniciou-se a construção da Auto-Estrada A7/IC5 — Guimarães/Fafe, cujo traçado, no sublanço SELHO/CALVOS, confina, na parte inferior do lado norte-nascente com o prédio dos AA.

    2.4 O projeto foi concedido pelo IEP, INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL à AENOR-AUTO-ESTRADAS DO NORTE, que entregou a obra à C………………….., D………………….. — OTIMIZAÇÃO DOS MEIOS PARA A CONSTRUÇÃO DO LOTE 5.1 DA AUTO ESTRADA A7 ACE que, de sua vez, se encontra segurada pela E…………………., S.A.

    2.5 Com aquela construção e as terraplanagens levadas a cabo pela C……………….., D…………………, ao Km 6 + 819 e ao Km 10 + 550, os regos por onde circulavam as águas (2.2) ficaram aterrados, impedindo desta forma o trajeto da água para o prédio dos AA., que dela ficaram privados.

    2.6 Em virtude da inexistência de outros meios de captação de água no prédio, estão os AA. privados do seu uso desde 2003, sem que no mesmo pudessem ter desenvolvido qualquer atividade agrícola. Por via do que, 2.7 Deverão os RR. realizar as obras necessárias à restituição aos AA. do direito ao aproveitamento das águas e do aqueduto ou, subsidiariamente, pagar aos AA. a quantia de € 50.000,00 a título de compensação pelos prejuízos resultantes da desvalorização do prédio com a perda definitiva de rendimentos futuros; 2.8 Deverão, ainda, pagar aos AA., a título de perda de rendimentos, resultantes do não exercício de qualquer atividade agrícola, durante os anos de 2003 a 2006, a quantia de € 2.000,00.

  2. No desenvolvimento do processo instaurado [Nº 529/06.7TCGMR], foi proferida decisão judicial a declarar a incompetência em razão da matéria invocada pelo R. IEP, INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL, sendo os RR. absolvidos da instância.

    Esta decisão transitou em julgado, em 13 de fevereiro de 2008. [Fls. 4 a 28] 4.

    Em face da antedita decisão, A………………. e B………………… intentaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, Ação Administrativa Comum, sob a forma ordinária, contra i) IEP, INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL; ii) AENOR-AUTO-ESTRADAS DO NORTE; iii) C……………………, D…………………. — OTIMIZAÇÃO DOS MEIOS PARA A CONSTRUÇÃO DO LOTE 5.1 DA AUTO ESTRADA A7 ACE; iv) E…………………., S.A., com peticionado idêntico ao deixado transcrito 1., alíneas a), b) e c).

  3. Na prolação do despacho saneador, em 23 de setembro de 2013, [Proc. Nº 633/08.7BEBRG], foi declarado incompetente, em razão da matéria, o Tribunal Administrativo e Fiscal e, consequentemente, absolvidos os RR da instância.

    Esta decisão transitou em julgado em 23 de outubro de 2013.

    [Fls. 29>38] 5.

    Ao abrigo do disposto nos Artigos 109º, 110º e 111º, todos do Código de Processo Civil (CPC), o Exmo. Procurador-Geral Adjunto requereu, em 13 de março de 2014, neste Tribunal dos Conflitos, a resolução do conflito negativo de jurisdição entre a 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

  4. Distribuído o projeto pelos Exmos. Adjuntos, é altura de decidir.

  5. Sendo que, a questão decidenda reconduz-se a saber e definir qual das jurisdições em confronto — administrativa ou civil comum — é a competente.

    II Conhecendo.

  6. Suscitada uma questão de conflito (in casu, negativo) de competência entre tribunais, impõe-se ter presente, em primeira linha, o ordenamento judiciário que fundamentará o âmbito da discussão e, a final, o sentido da decisão.

    Consabidamente, a lei jusfundamental consagrou o princípio da pluralidade de jurisdições, ou dizer a existência de diferentes categorias de tribunais sob um critério de repartição de competências de modo que as funções judiciais são atribuídas a vários órgãos enquadrados em jurisdições diferenciadas e independentes entre si.

    É assim, que a Constituição da República se, por um lado, dispõe no art. 211º nº 1 que «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais», acrescentando no nº 2 do mesmo dispositivo, que «Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas», dispõe, por outro, no art. 212°, n.º 3, que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações administrativas e fiscais».

    Já no âmbito da lei ordinária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 29 de fevereiro, se, num primeiro momento, define numa fórmula ampla que «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (Art. 1º/1), enumera, depois, por mera indicação do objeto (sic, “nomeadamente”), os litígios cuja apreciação lhes compete. [Art. 4º nº 1 als. a) a n)] Pari passu, na assunção daquele papel residual dos Tribunais Judiciais decorrente da antedita norma constitucional, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro) [LOFTJ] ora dispõe que «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» (De igual modo, o art. 64º do CPC), ora «determina a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais, estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência específica» [Art.18º/1 e 2; Vide, ainda: Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, Art. 26º/1 e 2] Voltando à Lei Fundamental, impõe-se ter presente que logo aí se previne a existência de conflitos de competência: «A lei determina os casos e as formas em que os tribunais previstos nos números anteriores se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos» (Art. 209º/3) Subjaz ao presente processo uma questão de conflito negativo de competência, vale dizer, um conflito de jurisdição em que dois tribunais — 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães e Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga-, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam o poder de conhecer da mesma questão, sendo certo que...

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