Acórdão nº 2133/16.2T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO 1.1.- O Autor – V...

- instaurou (2/12/2016) na Comarca de Castelo Branco acção declarativa, com forma de processo comum, contra a Ré - N..., SA, com sede na ..., Alegou, em resumo: No dia 10.1.2014, cerca das 15:00 horas, no cruzamento das Rua ..., em Castelo Branco, ocorreu um acidente de viação entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ... (BC), conduzido por P... e o motociclo de matrícula ... (MH) conduzido pelo Autor, seu proprietário.

O acidente deu-se por responsabilidade exclusiva do condutor do veículo automóvel BC.

Em consequência do acidente, o Autor sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €369.592,34, bem como em juros vincendos a calcular à taxa legal quanto aos danos patrimoniais e quanto aos danos futuros e não patrimoniais, apenas desde o dia seguinte ao da prolação da decisão que os atribuiu, relegando para execução de sentença os danos futuros alegados em 40º, 123º e 124º da pi.

A Ré contestou defendendo, em síntese: Admite a responsabilidade, mas impugna os danos. Por outro lado, as indemnizações relativas aos períodos de incapacidade absoluta para o trabalho até 20.06.2016 (data da alta) e às despesas relativas aos montantes despendidos com médicos, consultas e medicamentos já foram ressarcidas pela sua congénere, a L... no processo de AT que correu termos no Tribunal de Trabalho (processo n.º ...).

Concluiu pela improcedência da acção.

1.2.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:

  1. Condenar a Ré N..., SA a pagar ao A. a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais, que vence juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

  2. Condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos patrimoniais, a qual vence juros, à taxa legal, desde a notificação da presente sentença até efetivo e integral pagamento.

  3. Condenar Ré a pagar ao A. a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos patrimoniais futuros decorrentes da repercussão do acidente na perda de capacidade de ganho, a qual vence juros, à taxa legal, desde a notificação da presente sentença até efetivo e integral pagamento.

  4. Condenar a Ré a pagar ao A. a quantia €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, a qual vence juros, à taxa legal, desde a notificação da presente sentença até efetivo e integral pagamento e) Condenar Ré a pagar ao A. a quantia de €9.216,00 (nove mil e duzentos e dezasseis euros), a título de danos patrimoniais futuros, a qual vence juros, à taxa legal, desde a notificação da presente sentença até efetivo e integral pagamento.

  5. Condenar a Ré a pagar ao A. os encargos e despesas com tratamentos e/ou intervenções cirúrgicas e fisioterapia que venham a ser necessárias para a sua total recuperação.

  6. Absolver a Ré do demais peticionado.

    1.3.- Inconformado, o Autor recorreu de apelação com as seguintes conclusões: ...

    1.4.- Inconformada, a Ré recorreu de apelação com as seguintes conclusões: ...

    O Autor contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1.- Delimitação do objecto dos recursos As questões submetidas nos recursos, delimitados pelas conclusões, são as seguintes: O dano patrimonial da perda de oportunidade; O dano biológico – patrimonial futuro; Os danos patrimoniais a liquidar posteriormente; A duplicação das indemnizações e o enriquecimento injustificado; Os danos não patrimoniais.

    2.2.- Os factos provados ( descritos na sentença ) ...

    2.3.- O dano patrimonial da perda de oportunidade O Autor, no âmbito dos danos patrimoniais, reclamou a quantia de €60.000,00 pelo dano da perda de oportunidade de participar em competições e consequente perda de prémios.

    A sentença recorrida, após enquadramento legal, e com abundante apoio jurisprudencial e doutrinário sobre o chamado dano da “perda de chance”, enquanto dano autónomo, concluiu, na situação dos autos: “ Posto isto e revertendo à situação em apreço, decorre dos factos provados em 55., 60. e 61. que o acidente impossibilitou a participação do A nas competições nacionais e não federadas tal como condicionou a oportunidade de poder auferir os prémios económicos que vinha recebendo, nunca inferiores a € 200,00, num valor anual de € 6.000,00. Considerando, por outro lado, que resultou igualmente provado que o A, à data do acidente, se encontrava em boa forma, podemos concluir que o autor tinha a probabilidade real, séria e consistente de continuar a participar nas ditas competições. Como já tínhamos referido supra, a conduta do condutor do veículo seguro na ré consubstancia a prática de um facto voluntário, ilícito e culposo, que é a causa direta deste dano. Não sabe o tribunal (e nunca se saberá) qual a posição que o autor obteria se tivesse entrado nas competições em plena forma, como estava antes do acidente, de modo a poder auferir os prémios monetários que antes auferia. Contudo, como se disse o dano corresponde à perda da chance/oportunidade de o autor obter um certo resultado. E a perda da chance, enquanto dano autónomo, por se situar no domínio da probabilidade, ainda que elevada, terá de corresponder um montante indemnizatório inferior, àquele que seria o dano final e que considere o grau de probabilidade na sua obtenção; ou seja, impõem-se o recurso à equidade (art. 566.º, n.º 3 do Código Civil). Tal dano é um dano autónomo, atual e consequência direta da conduta do condutor do veículo segurado na ré, cuja reparação se impõe à luz da equidade. Assim sendo, e quanto à perda da oportunidade/da chance de o autor, participar nas competições e dessa forma obter uma posição que lhe permitiria auferir os prémios monetários, tendo por referência os valores anteriormente auferidos e que participaria pelos menos mais 10 anos, na falta de outros fatores, atendendo à equidade, decide-se arbitrar ao autor a quantia de € 30.000,00. Tal valor é objeto de cálculo atualizado. “ A Ré/ Apelante impugna a indemnização alegando não se comprovar o dano por falta de demonstração da “probabilidade séria e credível de sucesso da pretensão do A”, dada a ausência do nexo causal entre a conduta do lesante e os danos reclamados.

    A temática do dano da perda de chance, nomeadamente em matéria da responsabilidade civil, tem sido objecto de larga elaboração doutrinária e jurisprudencial. Não obstante alguma flutuação, a jurisprudência do STJ é predominantemente favorável à indemnização pela perda de chance, que tem vindo a ser concebida como um dano autónomo.

    No Ac STJ de 1/7/2014 (proc. nº 824/06), em www dgsi. pt, sustentou-se a autonomia da perda de chance, cuja concepção “visa superar a tradicional dicotomia: responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, summa divisio posta em causa num tempo em que cada vez mais se acentua que a responsabilidade civil deve ter uma função tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos, na sua vida de relação que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade, como advogam os defensores da denominada terceira via da responsabilidade civil (…). Para que se considere autónoma a figura de “perda de chance”, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da responsabilidade civil, mas, antes, introduzir como requisito caracterizador dessa autonomia que se possa afirmar que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade, séria, real, de, não fora a actuação que frustrou essa chance, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a actuação omitida se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de...

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