Acórdão nº 041/18 de Tribunal dos Conflitos, 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito nº 41/18 Acordam no Tribunal de Conflitos: RELATÓRIO 1.

A…………, portador de passaporte emitido pela República Portuguesa, residente em Po Box …….., …………., Pretória – República da África do Sul, por si e na qualidade de beneficiário do Trust Rilton Limited, propôs ação declarativa de condenação com processo comum, no Tribunal Judicial de Aveiro, contra o BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., o BANCO DE PORTUGAL; o NOVO BANCO, S.A., o FUNDO DE RESOLUÇÃO, a CMVM – COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS e B………., pedindo a condenação solidária dos RR face à sua responsabilidade civil, enquanto intermediários financeiros, a pagar-lhe a quantia de € 56.742,58, acrescida de € 10.558,78 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor e de juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento ou, caso assim não se entenda, a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321 do CVM, devendo em consequência serem os RR. solidariamente condenados a restituir ao A. a quantia de € 56.742,58, acrescida de € 10.558,78 de juros vencidos e juros vincendos e, em qualquer dos casos: a declaração de nulidade do contrato de mútuo bancário realizado entre o A. e o 1º R. por inobservância de forma legalmente exigida; ou caso assim não se entenda, a declaração de anulabilidade do contrato de mútuo bancário realizado entre o A. e o 1º R., por ocorrência de erro na declaração do A.

E, em consequência a, em qualquer dos casos, serem os RR condenados a ressarcir solidariamente o A., no montante correspondente ao valor de todas as quantias por este pagas no âmbito daquele contrato, e apurar em sede de liquidação de sentença, e com recurso aos elementos probatórios infra requeridos.

E, ainda, que os RR. sejam condenados a ressarci-lo solidariamente dos danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.

  1. Os RR. contestaram por exceção e impugnação, nomeadamente invocando a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por serem competentes os Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal.

  2. O A. veio responder às exceções invocadas, pugnando pelo indeferimento das mesmas.

  3. Em sede de despacho saneador foi julgada verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria, relativamente aos RR Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM, que foram absolvidos da instância, nos termos dos artigos 96º, al. a), 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nº 2, 577º, al. a), e 578º, todos do CPC.

  4. O A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

  5. Inconformado, veio o A. interpor recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça que, em Formação de Apreciação Preliminar Sumária a que alude o art. 672º, nº3, do CPC, não admitiu a revista excecional, ordenando a remessa à distribuição para exame prévio de admissão de revista nos termos gerais, face ao recurso ter como fundamento a incompetência do Tribunal em razão da matéria (art.s. 672º, nº5, 629º, nº2, al. a), 671º, nº3 e 652º, nº1, todos do CPC).

  6. Uma vez dado cumprimento ao acórdão de 28.6., foi emitido o despacho, de 1.09.2018, que determinou a remessa dos autos a este Tribunal de Conflitos, para resolução do conflito negativo de jurisdição (art. 101º, nº1, parte final), face ao art. 110º, nº2 CPC que dispõe: “Se a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o tribunal de conflitos.”.

  7. A CMVM requereu a dispensa do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, invocando, para tal, o disposto nos art.s 14º, nº2 e 14-A, alínea d) do Regulamento das Custas Judiciais (RCJ).

  8. O Ministério Público emitiu parecer pugnando pela manutenção da competência dos tribunais administrativos para conhecer dos pedidos formulados contra as entidades públicas, conforme art. 4º, nº 1, al. f) ETAF e 37º, nº4 CPC, assim excluindo a competência destes tribunais quanto aos pedidos de indemnização relativos à responsabilidade civil contratual dos 1º, 3º e 6º RR, por ser da competência dos tribunais judiciais. No respeitante ao pedido da CMVM de dispensa do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, defende que deve ser deferido, ao abrigo dos art.s 14º. nº 5, al. d) e 14-A, “ambos do CCJ”.

    *OS FACTOS Os factos que relevam para a decisão deste conflito são os que constam do antecedente relatório.

    *O DIREITO A questão que cumpre decidir é a de saber qual a jurisdição materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados contra o Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM.

    O TJA decidiu em despacho saneador a sua incompetência, em razão da matéria, por a mesma ser da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.

    Esta decisão foi confirmada através do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa donde se extrai: “(...) A causa de pedir na presente ação assenta no seguinte: O Autor era cliente do Banco Espírito Santo SA. A Ré B………., funcionária desse banco, era a sua gestora de conta. Foi ela quem aplicou o dinheiro depositado na conta do Autor no BES em diversos produtos financeiros, nomeadamente o BES FIN, no montante de € 56.742,58, garantindo-lhe que não existiam quaisquer riscos e que se assemelhava a um depósito a prazo mas com melhores juros. Contudo, investiram o dinheiro do Autor em produtos financeiros de elevadíssimo risco, em exclusivo benefício do 1° Réu.

    Depois, com a medida de resolução, foi o Autor confrontado com o facto desse dinheiro ter ficado sob gestão do 1° Réu, ou seja, o “banco mau”. De tal resolução, resultou a criação do Novo Banco para o qual foram transferidos os ativos de real valor do BES e que poderiam responder aos créditos do Autor.

    A atuação do Banco de Portugal e do Novo Banco levaram o Autor a acreditar que iria receber o reembolso das quantias investidas.

    Assim, verifica-se que, no âmbito da relação bancária existente entre o Autor e os 1°, 3° e 6° RR foram prestados serviços de consultadoria de investimento e gestão de carteira, prestando-lhe no fundo serviços de intermediação financeira.

    Contudo, os 1° e 6º RR usaram os fundos monetários pertença do Autor para a subscrição de produtos financeiros que não correspondiam aos interesses e instruções do Autor.

    Esse contrato de intermediação financeira não foi reduzida a escrito, pelo que é nulo.

    Os RR BES, Banco de Portugal, CMVM, Novo Banco e B……… estavam sujeitos aos deveres de conduta de informação, diligência e lealdade. Ao Banco de Portugal e à CMVM incumbiam deveres de supervisão que não cumpriram. Acresce que o crédito do Autor fica prejudicado pela Medida de Resolução tomada pelo Banco de Portugal em vez de optar pela liquidação do BES.

    Desta sequência factual resulta que a intermediação financeira se reporta ao BES, Novo Banco e à Ré B………... Os demais RR nunca negociaram com o Autor no investimento em qualquer produto financeiro, nem isso está alegado. No fundo a responsabilidade assacada ao Banco de Portugal assenta na Medida de Resolução e demais deliberações que foi tomando. Mais se imputam responsabilidades ao mesmo Banco de Portugal e CMVM de não terem cumprido os deveres de informação, diligência e lealdade, bem como no incumprimento dos seus poderes de supervisão (artigos 174° e 175° da petição inicial).

    Na presente apelação, o Autor pretende que a causa de pedir assenta no incumprimento dos deveres de lealdade e diligência que recaem sobre os intermediários financeiros, bem como no pedido de declaração de nulidade do contrato, por inobservância de forma.

    O artigo 293° n°s 1 e 2 do CVM define quem pode ser considerado intermediário financeiro em valores mobiliários bem como as empresas de investimento em valores mobiliários.

    As atividades de intermediação financeiras previstas no art. 289° n° 1 do mesmo diploma, são as seguintes:

    1. Serviços de investimento em valores mobiliários.

    2. Serviços auxiliares dos serviços de investimento.

    3. Gestão de instituições de investimento coletivo e exercício de funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições.

    Ora, nada foi alegado na petição inicial que permita relacionar o Banco de Portugal ou a CMVM com tais atividades.

    Os deveres de diligência, lealdade e transparência são efetivamente exigíveis aos intermediários financeiros, nos termos do art. 304° n° 2 do CVM. Mas nada foi alegado que permita afirmar que o Autor manteve com o Banco de Portugal ou a CMVM uma relação contratual de intermediação financeira - mesmo admitindo que isso fosse legalmente possível. Em momento algum da p.i. afirma o Autor que o Banco de Portugal ou Comissão do Mercado de Valores Mobiliários tenham negociado com ele ou intermediado o investimento em títulos do BES. Ao invés, afirma repetidamente que tal negociação sempre ocorreu com o BES e com a funcionária deste, ora 6ª Ré - ver nomeadamente artigos 13° a 61° e 68° a 116° da petição.

    Nos artigos 117° a 155° mencionam-se além do mais a Medida de Resolução e outras deliberações do Banco de Portugal.

    Nos artigos 157° a 161° afirma-se expressamente que existiu uma relação de intermediação de investimentos financeiros entre o Autor e os 1°, 3° e 6° RR, ou seja, o BES, o Novo Banco e a B………..

    Nos artigos 164° a 173° o Autor mantém-se no âmbito da relação com esses RR. E só no art. 174° é que afirma: “Ainda neste quadro de atuação ilegal do 1° Réu (o BES) junto dos seus clientes...

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