Acórdão nº 035/18 de Tribunal dos Conflitos, 23 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO |
Data da Resolução | 23 de Maio de 2019 |
Emissor | Tribunal dos Conflitos |
Acordam no Tribunal dos Conflitos Conflito nº 35/18 - I - 1.
Em 4.6.2015, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou contra “A………….., S.A.”, “Espaço Povoação-Empresa Municipal de Actividades Desportivas, Recreativas e Turísticas, E.E.M.”, Município da Povoação e “B……….., S.A.” ação declarativa sob a forma comum, pedindo a condenação solidária dos 1º a 3º réus a pagar-lhe a quantia de EUR 9.763.260,25, devendo a 4ª ré ser condenada no pagamento de EUR 649.765,18.
Subsidiariamente, pediu a condenação da 2ª ré e do 3º réu no pagamento à A. das quantias já referidas, ainda que a título de enriquecimento sem causa.
Para tanto, e em síntese, alegou que: Visando a construção de piscinas e de um complexo desportivo municipal, a autora - em 21.4.2006 - concedeu à 1ª ré um empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, até ao montante de EUR 7.500.000,00, garantido por: hipoteca do direito de superfície de determinados imóveis que identifica, consignação de rendas/ receitas a receber da 2ª ré, bem como transferências a receber ao abrigo de contrato programa celebrado entre a 2ª ré e o 3º réu, carta-conforto emitida pelo 3º réu, garantia bancária e «ownership clause» das 2ª e 4ª rés.
Posteriormente - em 9.4.2008 -, a autora concedeu à 1ª ré um outro empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, até ao montante de EUR 489.000,00, de que a 4ª ré se constituiu avalista. Para garantia do pagamento do capital, juros e demais encargos foi ainda acordada a consignação de receitas, designadamente as suportadas no contrato-programa celebrado entre a 2ª ré e o 3º réu e a apresentação de uma carta-conforto pelo 3º réu.
Na sequência do acordado, a autora transferiu para a 1ª ré a quantia de EUR 7.421.000,00, bem como a totalidade do capital relativo ao segundo financiamento contratado.
Acontece que as prestações dos empréstimos concedidos à 1ª ré deixaram de ser pagas nos prazos contratualizados, tendo as demais rés igualmente incumprido as obrigações a que se encontravam vinculadas, pois recusaram pagar à autora a quantia em dívida que ascende a EUR 9.763.260,25.
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Atenta a declaração de insolvência, com trânsito em julgado, das 1ª e 4ª rés, foi declarada extinta a instância, por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, relativamente a cada uma delas, prosseguindo a ação apenas contra a 2ª ré e o 3º réu.
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A 2ª ré e o 3º réu contestaram. Para o que agora especialmente releva, invocaram a incompetência do Tribunal Cível de Lisboa, em razão da matéria, alegando que a competência deverá ser atribuída aos tribunais administrativos.
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A autora respondeu, pugnando pela improcedência da exceção deduzida.
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Foi, então, proferida decisão que declarou o tribunal cível incompetente em razão da matéria e absolveu a 2ª ré e o 3º réu da instância.
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Inconformada com esta decisão, a autora recorreu, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão a confirmar a decisão recorrida.
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De novo irresignada, a autora interpôs recurso para o Tribunal dos Conflitos.
Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1. A decisão recorrida confirma que o tribunal cível é materialmente incompetente, por considerar que, ao abrigo do previsto nas alíneas e) do art 4º do ETAF, o tribunal competente é o tribunal administrativo.
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Tal decisão encontra-se indevidamente suportada, por indevida compreensão da relação material controvertida, e é ilegal, por incorreta interpretação das normas aplicadas, violando os arts. 211º da Constituição da República Portuguesa, 4º, do ETAF, 64ºs do Código de Processo Civil e art. 40º, nº 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
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A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de acordo com a relação material controvertida nos autos - em função do pedido e da causa de pedir -, tal como a mesma é configurada pela Autora, no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio.
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A A./Recorrente peticionou a condenação solidária dos Réus sempre e só com base nas respetivas responsabilidades pelo cumprimento/incumprimento de contrato de mútuo e garantias dadas ao cumprimento do mesmo, pelo que o objeto do litígio - responsabilidade das várias entidades pelo incumprimento do contrato de mútuo - não se enquadra em nenhuma das alíneas do art. 4., nº 1, do ETAF.
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Não respeita a ação a questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público (al, e)).
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A relação material controvertida nos autos, tal como a mesma é configurada pela Autora, no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, parece ter sido devidamente entendida: a A. “fundamenta a ação na responsabilidade perante si assumida por cada uma das delas através de um contrato de mútuo celebrado com a 1ª ré.” 7. Para fazer aplicar a alínea e) do art. 4º, o ETAF qualifica o acórdão, em primeiro lugar, apenas os 2º e 3º RR., esquecendo os demais.
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Tendo a competência dos tribunais administrativos há muito deixado de conexioriar-se com a natureza de algumas das demandadas, como o próprio acórdão reconhece, não se percebe qual a razão desta qualificação, que nada tem que ver com algum dos critérios contidos no art. 4º, do ETAF.
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O mesmo acontece com a prossecução do interesse público, em nada relevando a afirmação de que os contratos celebrados entre a A. e a 1ª Ré se destinem à construção de equipamentos Municipais; sobretudo, não se percebe como se relaciona um simples contrato de mútuo com a finalidade ora avançada pelo tribunal.
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A construção da piscina e complexo desportivo releva apenas para explicar, mais uma vez, o aparecimento das 2ª e da 1ª Rés. Em nada releva para o mútuo ou para o seu incumprimento, base desta ação, que é devido seja qual for o destino dos fundos.
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No essencial, conclui o acórdão que “os contratos em que assenta a responsabilidade da 2ª ré e do 3º réu perante a A. estão, ao menos em parte, sujeitos a procedimento prévio regulado por normas de direito público, como é, claramente, o caso da carta-conforto emitida pelo 3º R. a favor da A. por deliberação da Câmara Municipal de Povoação ou o Contrato-Programa celebrado, então ao abrigo do disposto no art. 31 da já citada Lei nº 58/98, entre os 2ª e 3º RR”.
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O tribunal não foi chamado a apreciar qualquer contrato-programa, porque nesse sentido não foi deduzido qualquer pedido pela A., o contrato-programa, celebrado entre o 3º réu e a 2ª ré.
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