Acórdão nº 031/18 de Tribunal dos Conflitos, 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam no Tribunal dos Conflitos Relatório 1. A………… intentou, em 19 de Julho de 2016, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco Espírito Santo, S.A., Banco de Portugal, Novo Banco, S.A., Fundo de Resolução, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e B………….

Pediu que fosse reconhecida "a responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304°-A do CVM, e que, em consequência, os RR. fossem solidariamente condenados a pagar ao A., a quantia de €203.887,90", "acrescida de €82.248,40 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.", e de "juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento".

E, caso assim não fosse entendido, que fosse declarada "a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321° do CVM, devendo em consequência serem os RR. solidariamente condenados a restituir ao A. a quantia de €203.887,90", acrescida de juros vencidos e vincendos, nos mesmos termos do pedido principal.

Mais pediu que "sejam os RR. condenados a ressarcir solidariamente ao A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a determinar em liquidação de sentença".

Para o efeito, alegou, em síntese: O Autor é cliente do 1º Réu desde há cerca de 15 (quinze) anos.

Foi por critério e exclusiva determinação do 1º R., que a conta bancária do Autor desde há cerca de 10 anos passou a ser sediada e tratada pelo denominado Private Bank, exercido pelo 1º R. na República do África do Sul.

Desde então que ao Autor foi atribuída uma Gestora de Conta, a Senhora B…………, a 6ª R.

Todos os assuntos relacionados com aquela conta bancária e operações financeiras à mesma agregadas sempre foram tratados pelo A. com a 6ª Foi a 6ª R. que sempre aconselhou o A. a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1º R. lançava em carteira, O Autor nunca solicitou à 6ª R. ou qualquer outro seu colega, o investimento em um ou noutro determinado produto, Ao invés, era a 6ª R. que sempre que o A. depositava fundos na sua conta bancária, telefonava ao A. e informava que o 1º R. tinha um produto que lhe iria garantir o pagamento de determinada taxa de juro, Sempre lhe tendo apresentado taxas de juro comuns no mercado que variavam em regra entre os 3% e os 6%.

Face à "oferta" daqueles valores de juros, o Autor sempre deu instruções à 6ª R. de que: não queria aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado, A estas instruções expressas e constantes do A., a 6ª R. sempre informou, e para qualquer dos produtos, que o dinheiro do A. ia ser aplicado em produtos sem qualquer risco, Que aqueles produtos eram "como depósitos a prazo", pois que eram produtos da titularidade do 1º R. e por isso eram totalmente garantidos. A 6ª R., sempre assim garantiu ao A. que todos aqueles produtos financeiros eram produtos garantidos pelo Banco – 1º R., Sucedeu ainda, em muitas das vezes que a 6ª R. aplicava os fundos do A. em determinado produto financeiro, e apenas quando se deslocava à República da África do Sul, passadas várias semanas ou até meses, levava os documentos "necessários" para serem assinados pelo A., "Regularizando" desta forma os investimentos que já havia efectuado e "informado" o A. pelo telefone.

O Autor nunca recebeu do 1º R. ou da 6ª R. qualquer prospeto em papel ou digital que lhe permitisse avaliar ou estudar os produtos nos quais, estava a ser investido o seu dinheiro.

O Autor não sabe nem nunca soube, ou lhe foi explicado, o que são "produtos estruturados".

Assim, consequentemente o A., sempre desconheceu que tinha um "perfil de investidor" atribuído pelo 1º R.

Foi assim que, no âmbito das suas funções e, sob a subordinação do 1º R., que a 6ª R. no seio daquele departamento de private bank do 1º R. aplicou o dinheiro do A. depositado no 1º R., na compra dos produtos descritos no artigo 36º da p.i.

Estando assim investido o montante total de € 203.887,90 naqueles produtos financeiros, em nome do A.

O 1º R. e a 6ª R. sabiam que o Autor apenas queria confiar o seu dinheiro em produtos seguros e com disponibilidade imediata de capital em caso de pedido de reembolso, Mas ainda assim aplicaram aquele dinheiro do A. em produtos que sabiam não ser abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósito, nem tão pouco que ofereciam a segurança pedida pelo A.

Com aquele comportamento o 1º R. e a 6ª R. usaram do dinheiro do Autor à revelia das suas instruções, aplicando-o em produtos de alto risco E privando o Autor da disponibilidade dos seus fundos monetários Em meados do ano de 2012, o Autor sentiu alguma da instabilidade que já se ouvia nos meios de comunicação social sobre o 1º R., E agiu como habitualmente, procurando obter explicações sobre o que se passava em Portugal junto da "sua pessoa" de confiança a 6ª R., Que o tranquilizou dizendo que nada iria acontecer e que tudo estava bem no seio e nas contas do 1º R., E bem assim como, que o A. estivesse descansado com o seu dinheiro repetidamente lhe afirmando que: "pode estar descansado que isto são produtos do Banco e estão totalmente garantidos".

Em 18 de Julho de 2014, o A. endereçou uma carta ao 1° R. solicitando o resgate do seu dinheiro investido naqueles produtos.

Não tendo recebido qualquer resposta àquela pretensão nem tão pouco reembolso do seu capital, o qual lhe havida sido sempre garantido pelo 1° R. e pela 6ª R.

O 1° R. foi alvo de uma medida resolução pelo 2° R. (o BdP), Só em Abril de 2015 é que o A. recepcionou do 3° R. uma comunicação na qual aquele R. se descarta de qualquer responsabilidade de pagamento daquele reembolso pedido.

Em 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal, 2° R., decidiu-se pela aplicação da medida de resolução ao 1° R., criando assim o Novo Banco, o 3° R., cujo capital social é inteiramente detido, pelo 4° R. o Fundo de Resolução.

Assim nasceu, no nosso mercado financeiro e das instituições de crédito, o 3° R. que é à semelhança do 1° R. uma "empresa cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria.", nos termos do DL n° 298/92 de 31 de Dezembro [RGICSF]; Com aquela medida, o 2° R. decidiu pela transferência da gestão de um conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais que se encontravam sob domínio do 1° R. (BES) para o 3° R., o Novo Banco E (re) determinando mais tarde a quem, de entre o 1° R. e o 3° R., cabe a tutela de alguns daqueles elementos extrapatrimoniais, activos e passivos, no uso do poder de retransmissão que detém, e através das deliberações conhecidas como "Perímetro", "Contingências" e "Retransmissão".

Assim, com aquele acto de resolução e de selecção de activos proveitosos, o 2° R. decidiu transferir a esmagadora maioria do património do 1° R. (BES) para o 3° R. (Novo Banco) Deixando contudo um conjunto de activos sob a gestão do 1° R., que estando grandemente desvalorizados, encontram-se registados também com as devidas imparidades.

Tal significa que com aquela decisão de Resolução o 2° R. (BdP) determinou genericamente que os activos de real valor, e que poderão responder sobre os credores do 1° R., fossem transferidos para o 3° R., Sem que contudo, como se verá, grande parte dos créditos que incidiam sobre o 1° R. à data daquela medida tenham sido igualmente transferidos.

Deixando assim para um conjunto de credores um património desvalorizado e certamente insuficiente para a total satisfação daqueles.

Sucede contudo que, em 11 de Julho de 2014, dias antes de se decidir pela resolução do 1º R., o 2° R. emite o seguinte comunicado: [...] E garantindo ainda a solvência daquele 1° R., transmitindo assim à opinião pública segurança naquela instituição: [...] Ora, todo este quadro de declarações públicas do 2° R., de confiança na manutenção da solvabilidade e estabilidade do 1º R., e sobretudo da segurança que quis transmitir à generalidade dos clientes daquela instituição, Levaram a que aqueles clientes, de entre os quais o A. tenham acreditado que o 2° R. providenciaria pela tomada de uma decisão que garantisse a igualdade, a estabilidade financeira e sobretudo a segurança de que as "poupança de uma vida" não estavam perdidas.

É também facto notório e relevante para o caso sub judice que, em 30 de Julho de 2014, o 1° R. elaborou o "Relatório e Contas Intercalar e Individual - 1° Semestre 2014", É naquele documento que o 1° R., ainda antes da tomada da medida de resolução pelo 2º R. ASSUME a obrigação de reembolso dos produtos que vendeu aos seus clientes e que são dívida emitida pelas diversas entidades que compõe o universo do denominado Grupo Espírito Santo (GES), E fá-lo ao criar uma provisão, que como se sabe é uma reserva (contabilística) sobre o valor que uma empresa, in casu o 1° R., sabe ser devedora perante os seus clientes, pois que lhes criou essa expectativa.

Além disso, também em data anterior àquela medida de resolução do 2° R., em 10 de Julho de 2014 o 1° R. informa que: [...] Não obstante a violação de diversas disposições legais que infra se aduzirá, claro fica que o 1 ° R. sempre assumiu que criou expectativas de liquidez na sua malha de clientes de retalho (por oposição a clientes institucionais), e de entre os quais se encontra o A.

De facto o 1° R., não só criou aquela provisão do valor de produtos vendidos, assumindo assim o seu reembolso, Bem assim como não deixou de os espalhar na sua rede de retalho mesmo após a sua alegada venda, Pois que veja-se que há investimentos do A. que se referem a obrigações emitidas pela Espírito Santo Tourism transacionadas com maturidade até 2014 e 2015, quando alegadamente aquela empresa foi alienada em 2013.

Tendo essa venda sido "ocultada" e não transposta para o reembolso dos investidores não qualificados, levando-os a crer na...

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