Acórdão nº 040/18 de Tribunal dos Conflitos, 31 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução31 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal dos Conflitos

CONFLITO n.º 40/18 Acordam no Tribunal dos Conflitos, I – Relatório A……….

propôs, no Tribunal da Comarca de Braga/Guimarães, contra a CÂMARA MUNICIPAL DE VIZELA, ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, assim como no reembolso das despesas por si efetuadas.

Alega a Autora que, a 16 de abril de 2013, foi entre si e a Ré celebrado um contrato Emprego-Inserção+ no âmbito da medida contrato emprego inserção+, regulado pela Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro. Este contrato tinha por objeto a execução de trabalho socialmente necessário na área de serviços gerais (excluído do regime do contrato de trabalho) por um período de um ano, com início a 16 de abril de 2013 e termo a 15 de abril de 2015.

A Autora refere que, sob as orientações da Ré, exercia funções de serviços gerais, nomeadamente de limpeza do Pavilhão Municipal de Vizela, propriedade da Ré.

Menciona a Autora que, a 1 de março de 2014, no exercício das suas funções, sofreu um acidente no seu local de trabalho: enquanto limpava o piso do pavilhão, que se encontrava molhado por infiltrações, escorregou e caiu. Foi transportada para o Centro Hospitalar do Alto Ave.

A Autora solicitou o acionamento do seguro de acidentes pessoais do qual gozava, ao abrigo do contrato celebrado, pedindo que a seguradora lhe concedesse assistência médica. Foi encaminhada para a Cruz Verde – Serviços Assistência Médica, Lda. Perante a cobrança de determinados valores, a Autora foi informada de que não tinha seguro.

A Ré contestou e requereu a intervenção acessória provocada da B….- Companhia de Seguros, S.A.

Tendo considerado “a verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso de incompetência material dos tribunais comuns, uma vez que está em causa a responsabilidade civil de entidade administrativa”, o Tribunal da Comarca de Braga convidou as partes a pronunciar-se. Enquanto a Autora pugnou pela competência dos tribunais judiciais, a Ré não se pronunciou.

O Tribunal considerou-se materialmente incompetente, ordenando a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (art. 99.º, n.º 2, do CPC). Tendo este tribunal deferido o chamamento aos autos da sociedade B…..- Companhia de Seguros, S.A., esta apresentou contestação.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por despacho de 3 de maio de 2018, suscitou a possibilidade de se verificar nos presentes autos a exceção de incompetência material para dirimir o litígio. A Autora pronunciou-se pela continuação dos autos neste tribunal e a Ré nada disse.

No despacho saneador, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu que “Nos termos e com os fundamentos expostos declaro o presente Tribunal incompetente em razão da matéria, consequentemente absolve-se o Réu da instância”.

Tendo em conta o requerimento da Autora, de 5 de julho de 2018, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga remeteu os autos para o Tribunal de Conflitos.

II - Fundamentação

  1. De facto Relevam os factos mencionados supra.

  2. De Direito A Autora vem deduzir uma ação de condenação pedindo que lhe sejam reparados os danos que a mesma alega haver suportado em consequência de acidente que sofreu por ocasião e por causa das tarefas que exercia no âmbito do Contrato Emprego Inserção+ celebrado com a Ré.

A questão de se saber quais os tribunais materialmente competentes para conhecer de um acidente sofrido por um trabalhador ao serviço de uma Câmara Municipal no âmbito de um contrato de Emprego-Inserção+ não é nova e tem sido objeto de tratamento jurisprudencial, nomeadamente pelo Tribunal de Conflitos. Nesta sede, importa ter especialmente em conta o Acórdão n.º 015/17, de 19 de outubro de 2017, e o Acórdão n.º 053/17, de 25 de janeiro de 2018, deste Tribunal.

  1. As entidades públicas administrativas atuam muitas vezes como particulares, recorrendo aos mecanismos do direito privado, não se servindo do seu poder de império para prosseguir os respetivos fins. Têm, para o efeito, igualmente capacidade de gozo de direitos privados, embora circunscrita à satisfação de necessidades públicas incluídas no quadro das suas atribuições (Cfr. HEINRICH EWALD HOERSTER, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, p.35.

    ).

    ln casu, estabeleceu-se uma relação jurídica contratual entre uma entidade pública, a Câmara Municipal de Vizela, e uma cidadã, A………..

  2. A summa divisio tradicional do universo jurídico é aquela que distingue entre Direito Público e Direito Privado.

    A divisão do direito objetivo em Direito Público e Direito Privado tem relevância prática na determinação da via judiciária. A CRP dedica à organização dos tribunais os arts. 211.º e ss. Não levando em linha de conta os tribunais com finalidades específicas (o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas e os Tribunais Militares), verifica-se que existem os tribunais judiciais, por um lado (arts. 211.º, n.º 1, al a), n.º 3 e n.º 4, e 213.º), e os tribunais administrativos e fiscais, por outro (arts. 211.°, n.º 1, al b), e 214.°). Esta divisão dos tribunais é, em parte, expressão da dicotomia Direito Público-Direito Privado”( Cfr. HEINRICH EWALD HOERSTER, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, p. 40.

    ).

    Se no âmbito de uma relação jurídica surgir um litígio, impõe-se qualificá-la e situá-la para saber se ela pertence ao direito público ou ao direito privado. Em caso de dúvida, a qualificação é feita com base na teoria dos sujeitos. Se essa relação pertence ao direito público, são competentes os tribunais administrativos ou fiscais, de um lado e, de outro, se pertence ao direito privado, são competentes os tribunais judiciais, precisamente os tribunais cíveis (Cfr. HEINRICH EWALD HOERSTER, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, p.41.

    ).

    Pode dizer-se que não foi ainda encontrado um critério absolutamente satisfatório para a distinção entre Direito Público e Direito Privado (JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1987, p.65.

    ).

  3. De acordo com a teoria dos sujeitos, dominante na doutrina jurídica, o critério de distinção entre Direito Público e Direito Privado não é o interesse nem a relação entre cidadão e Estado, mas antes a norma invocada e aplicada pelos sujeitos da relação jurídica em...

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