Acórdão nº 1174/12.3TVLSB-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução14 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO: 1. Pedido: condenação das R.R. na substituição do veículo, de marca Y, modelo C…, …, por um novo veículo de iguais características e em estado novo, e de indemnização por danos patrimoniais, num valor não inferior a € 5.000,00.

A A.

alegou, em síntese, que adquiriu à 1ª R. um veículo em estado de novo, o qual sofreu diversas avarias até aos 22.521 km, não reunindo tal veículo as necessárias condições de segurança nem estando conforme com o contrato de compra e venda.

A 1ª R.

contestou, arguindo a excepção de caducidade dos direitos que poderão assistir à A., porquanto esta não denunciou ao vendedor a falta de conformidade no prazo de dois meses a contar da data da sua detecção. Argumenta, ainda, a Ré que a A. incorre em abuso de direito ao vir requerer a substituição do veículo após ter optado pela reparação das pretensas anomalias. Em caso de procedência do pedido, entende a R. que a A. tem de restituir àquela o valor correspondente à desvalorização do veículo resultante do uso e utilização que deu ao veículo. Subsidiariamente, pugna a R. pela condenação da A. no pagamento de uma indemnização de € 20.250 correspondente à diferença entre o preço do veículo em novo e o valor do veículo à data em que a A. o entregue efectivamente à R..

A 2ª R. também contestou, arguindo, igualmente, a excepção da caducidade, sustentando que a A. não observou o prazo de dois meses para denunciar a alegada falta de conformidade.

Foi proferida sentença, na qual o Tribunal a quo julgou a acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu as R.R.

dos pedidos.

  1. Inconformada com a sentença, dela vem apelar a A., formulando as seguintes conclusões: 1 – O presente Recurso tem por objecto toda a matéria da Sentença proferida nos presentes autos, incluindo a reapreciação da prova gravada.

    2 - Considera a ora Recorrente, antes de mais, que face à matéria de facto dada como provada, concretamente, deveria ter sido outro o enquadramento jurídico efectuado, e não absolver as RR. do pedido pela ocorrência da caducidade da denúncia da falta de conformidade do bem.

    3 - Da factualidade provada resulta que: - No dia 12/10/2010 foram substituídos os kit injectores – Facto 11; - No dia 18/10/2010 foi substituído o vedante – Facto 12; - Em dia não apurado de Janeiro de 2011, o veículo voltou à oficina pois patinava em 1ª tanto em quente como em frio – Facto 13; - No dia 06/07/2011 substituição da bomba de água – Facto 18; - No dia 25/08/2011 substituição do corpo da bomba de água – Facto 20; - No dia 14/11/2011 foi colocado jogo de cabos – Facto 21; - No dia 25/11/2011 substituição do corpo da bomba de água – Facto 25; - No dia 10/05/2012 substituição do volante do motor e a embraiagem – Facto 27; 4 - Pelos factos provados, podemos verificar que as intervenções ocorreram nas datas acima referenciadas, sendo que, a última intervenção antes da interpelação das RR. pela A., ocorreu no dia 10 de Maio de 2012. Ou seja, 12 dias antes da A. requerer a substituição do veículo às RR., e 21 dias antes de interpor a presente acção judicial.

    5 - Dos factos provados resulta ainda que: - Não é normal, nem tão pouco expectável que um veículo com as características referidas em 1 esteja, aos 22521 km, com o número de avarias e substituição de peças já realizadas – Facto 28; - O número de avarias e reparações, não é compatível com a marca do mesmo (Y.), com o referido em 37, bem como com o investimento realizado pela Autora para a sua aquisição – Facto 29; - A substituição da bomba de água, volante do motor e embraiagem demonstram que o veículo referido em 1 não reúne as condições que um bem adquirido em 1ª mão deveria apresentar – Facto 31; - Sobretudo num veículo com a quilometragem e utilização que este apresenta – Facto 32; - No ato da compra e venda, um veículo automóvel da marca Y, deverá ter uma durabilidade e fiabilidade que o presente veículo automóvel não apresenta – Facto 36; 6 - Como se constata, foi provado que o bem não estava de acordo com o contrato de compra e venda, nem tão pouco com as expectativas criadas pela marca Y. (2ª R.) e pela vendedora do bem – M. (1ª R.).

    7 - O Mmo. Juiz a quo considerou, e bem, que a compra e venda em causa sujeita-se ao regime do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8.4 (venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas).

    8 - Perante a matéria de facto dada como provada existe uma falta de conformidade do bem com o contrato, conforme factos dados como provados e reproduzidos supra.

    9 - O Mm.º Juíz a quo refere na douta sentença que: “Todavia, em 22.5.2012, já haviam decorrido mais de sessenta dias sobre o momento em que a autora teve conhecimento dos problemas do veículo enunciados sob 11 a 25. Assim sendo, caducou o prazo de denúncia das eventuais faltas de conformidade em causa ocorridas entre 12.10.2010 e 25.11.2011 (cf. artigo 5º-A, nº2, do Decreto-lei nº 67/2003, de 8.4). No arco temporal de dois meses que precedeu a carta de 22.5.2012 apenas se situam a substituição do volante do motor e a embraiagem em virtude desta patinar na 5ª e 6ª velocidade (facto 27). Todavia, o volante e a embraiagem foram substituídas, sendo o custo suportado pela 2ª ré. Como deram nota no seu relatório, os Srs. Peritos frisaram que não detectaram qualquer problema na embraiagem, sendo que a autora não alegou que o mesmo tenha sequer persistido após a reparação. Neste contexto, afigura-se-nos que a autora não pode exigir à vendedora (1ª ré) a substituição do veículo porquanto – tendo a avaria em causa sido reparada no período de garantia – tal substituição integraria um genuíno abuso de direito (cf. artigo 4º, nº5, do diploma em causa). Na verdade, a autora optou, em primeira mão, pela reparação da avaria com a substituição do volante do motor e da embraiagem, as quais foram realizadas com o seu assentimento. Ou seja, a autora exerceu um dos direitos que lhe assistia (o da reparação da coisa), não podendo vir ainda exigir – após a reparação – a substituição da coisa por outra nova – cf. artigo 4º, nº1, do referido diploma.” 10 - Aqui podemos dividir a questão em duas a caducidade e a substituição do bem.

    11 – Quanto à caducidade o Mmo. Juíz a quo não relevou a substituição do volante do motor e a embraiagem datado de 10 de Maio de 2012, conforme facto 27 dos factos provados.

    12 - Para o Mmo. Juiz a quo este facto não é relevante, nem tão pouco poderá configurar uma falta de conformidade do bem com o contrato. O que a Recorrente não concorda.

    13 - Os defeitos do bem ocorreram de forma continuada, sendo que o último defeito ocorreu no dia 10 de Maio de 2012. Tendo a A. denunciado os defeitos em 22 de Maio de 2012.

    14 - Nessa data a autora tomou conhecimento da falta de conformidade do bem com o contrato, tendo nesta data a A. perdido a confiança total no bem.

    15 - Esta falta de conformidade do bem com o contrato tem de ser visto com o veículo no seu todo, e não apenas peça a peça. Os defeitos foram recorrentes desde 12 de Outubro de 2010 até 10 de Maio de 2012, conforme factos provados.

    16 - Sendo os mesmos de diversa espécie, tendo culminado em 10 de Maio de 2012 com a mudança do volante do motor e embraiagem.

    17 - Nesta data é que a A., ora recorrente verificou que o bem estava desconforme com o contrato de compra e venda.

    18 - A Recorrente denunciou os defeitos às RR. no dia 22 de Maio de 2012 através de carta registada com aviso de recepção, conforme factos dados como provados.

    19 - Tudo isto no prazo de dois meses a contar da data de 10 de Maio de 2012.

    20 – Mas mais, as Rés sempre tiveram conhecimento dos defeitos desde Outubro de 2010 e todas as intervenções seguintes, conforme factos dados como provados.

    21 - O legislador fala em falta de conformidade, não distinguindo entre o primeiro e último defeito. Esses defeitos podem surgir no 1º dia de garantia como no último, sendo que nos presentes autos todos eles foram denunciados.

    22 - Pelo que, a excepção de caducidade não deverá proceder, devendo em consequência desse facto dar provimento à presente acção.

    23 – Quanto à substituição do bem verificamos pela análise do artigo 4º do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8.4 que perante a existência de uma desconformidade da coisa comprada, o consumidor tem direito a que ela seja eliminada através de quatro remédios jurídicos, que a lei lhe atribui.

    24 - O n.º5 do artigo 4.º refere que o consumidor pode exercer qualquer dos direitos, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito.

    25 - O Decreto-lei n.º 67/2003, de 8.4 com a aposição da conjunção disjuntiva “ou” indicia uma alternatividade pura.

    26 - A A. não aceitou a reparação do bem, foi-lhe apresentado como dado adquirido com a reparação de 10 de Maio de 2014.

    27 - Após essa data é que a A. denunciou a falta de conformidade e requereu a substituição do bem.

    28 - Neste sentido a A. não estaria limitada no exercício do seu direito enquanto consumidora.

    29 - No contrato de compra e venda de bens de consumo, abrangidos pelo âmbito do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8.4, os direitos do comprador por desconformidades da coisa vendida são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas condicionada pelos limites impostos pelo n.º 5, do referido art.º 4º – impossibilidade manifesta do seu exercício ou abuso de direito.

    30 - Assim, o comprador, perante a desconformidade do bem vendido, pode, em princípio, desde que respeite os princípios da boa-fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido, optar pelo exercício de qualquer um daqueles direitos, entre os quais se insere o da substituição do bem, que não está reservado apenas para as hipóteses de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou resolução do contrato, justificando-se a sua utilização desde que a desconformidade que o bem apresenta não seja insignificante.

    31 - É certo que o respeito por aqueles princípios conduzirá muitas vezes à...

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