Acórdão nº 2572/10.2TALRA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução02 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No [já extinto] 1º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Leiria, mediante despacho de pronúncia, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos A...

e B...

, com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em co-autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1 do C. Penal.

O assistente C... deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos e contra a sociedade F... , Lda., com vista à sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 15.500 por danos sofridos, acrescida de juros legais desde a data da notificação até integral pagamento, acrescida de 5% desde o trânsito em julgado da sentença.

Por sentença de 21 de Maio de 2013 foi cada um dos arguidos condenado, pela prática do imputado crime, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 6, e ainda, juntamente com a sociedade demandada, condenados a pagar ao assistente a quantia de € 7.500 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% desde 22 de Dezembro de 2012 sobre a quantia de € 3.500 até integral pagamento, e sobre a quantia de € 4.000, à mesma taxa, a partir de 22 de Maio de 2013 até integral pagamento.

1Inconformados com a decisão, os arguidos recorreram para esta Relação que, por acórdão de 22 de Janeiro de 2014, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e determinando o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objecto.

Na audiência do novo julgamento, realizado agora no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Instância Local Criminal de Leiria – Unidade 3, por despacho de 23 de Fevereiro de 2015, foi comunicada aos arguidos uma alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, tendo o facto comunicado o seguinte teor: «Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

».

Concedida a palavra ao Ilustre Mandatário dos arguidos para, querendo, requerer o que tivesse conveniente, disse não aceitar, atento o teor do Acórdão nº 1/2015, a alteração oficiosamente comunicada.

Por sentença de 18 de Março de 2015 foram os arguidos condenados, pela prática do imputado crime de burla, cada um, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 7, perfazendo a multa global de € 840, para cada.

Mais foram condenados, juntamente com a sociedade demandada, no pagamento ao assistente da quantia de € 7.500 por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 22 de Dezembro de 2012 sobre a quantia de € 3.500, até integral pagamento, e à taxa de 4%, desde 22 de Maio de 2013 sobre a quantia de € 4.000, até integral pagamento.

* Novamente inconformados com a decisão, recorreram os arguidos, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1 – Subscreve-se o entendimento perfilhado pelo STJ nos dois acórdão mencionados na INTRODUÇÃO às alegações, razão pela qual se interpõe o presente recurso para o Tribunal da Relação (de Coimbra), por não se afigurar adequado o recurso – extraordinário – previsto no art. 446, do CPP; Posto isto (primeira questão), 2 – No recurso anteriormente interposto nestes autos, o Tribunal da Relação (de Coimbra) apontou à sentença, então objecto desse recurso, nomeadamente, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto; 3 – Por não ter ficado provado que os arguidos soubessem que a sua conduta era proibida e punida por lei.

4 – Razão pela qual a matéria de facto era insuficiente para permitir a conclusão de que os arguidos praticaram um crime de burla, p. e p. pelo art. 217, nº 1, CPP, na medida em que dela não constava como provada a "consciência da ilicitude" e portanto. "todos os elementos do respectivo tipo subjectivo"; 5 – Consequentemente (e também por outra razão: omissão de pronúncia), foi determinado o envio do processo para novo julgamento; 6 – Sucede que a consciência da ilicitude também não consta do despacho de pronúncia; 7 – Não obstante, o tribunal de julgamento, efectuou a integração da matéria em falta, ao abrigo do regime previsto no art. 358, do CPP, aditando, no decorrer do julgamento, a seguinte matéria: "Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal"; 8 – Ora. o recente acórdão nº 1/2015, do STJ. veio fixar a seguinte jurisprudência: "A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358 do Código de Processo Penal".

9 – Os arguidos não foram informados em que se apoiou o tribunal para considerar ter ocorrido tal alteração; 10 – Os arguidos discordaram da alteração invocada pelo tribunal de julgamento, fundamentando a sua posição no acórdão do STJ cujo sumário está transcrito supra, no na 8 destas alegações; 11 – Sendo certo que a decisão do STJ que fixa jurisprudência não é obrigatória para os tribunais judiciais. estes devem fundamentar as divergências face a tais decisões, conforme se estatui no art. 445, n.º 3. do CPP.

12 – Ora. a alteração efectuada pelo tribunal de julgamento não deve ser aceite por este tribunal de recurso.

13 – Por um lado porque não é correcto o entendimento explanado na sentença (se bem o entendemos) segundo o qual a existência do elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento da ilicitude da prática do facto (ou seja, o elemento intelectual conteria o conhecimento – pleno – dos factos a preencher, mas também o conhecimento – pleno – da sua proibição); 14 – Se assim fosse. todos os factos dolosos seriam "automaticamente" criminosos; 15 – Sem nos alongarmos nesta questão "técnica", e sem desconhecer (pensamos) as várias correntes doutrinárias. o conhecimento da proibição penal é, actualmente, enquadrada em sede de culpa (vide art. 17 C. Penal); 16 – E o acórdão que fixou a jurisprudência sobre esta questão, analisou-a, também, sob este prisma, que rejeitou; 17 – Por outro lado, a Exma Sra Dra Juíza não apresentou elementos novos, para fundamentar a discordância. nem a jurisprudência fixada (e objecto de discordância na sentença) pode deixar de ser considerada actual, de tão recente que é; 18 – Donde resulta que a sentença em recurso deve ser anulada, devendo os arguidos serem absolvidos, por insuficiência, não integrável em julgamento. para a decisão da matéria de facto provada; 19 – Uma vez que a insuficiência constante da acusação (pronúncia), não podia ser colmatada da forma que o tribunal a quo fez, pelo regime do art. 358, do CPP; Contudo, e para o caso de assim não se entender (segunda questão), 20 – Esteve mal o tribunal ao dar como provado que os arguidos agiram com a intenção de obter enriquecimento ilegítimo (…) através da viciação do valor da quilometragem do veículo … 21 – Os arguidos nunca negaram que efectuaram uma intervenção no veículo, a qual implicou, necessariamente, o contador de quilómetros, pois teve de ser substituído todo o quadrante em que ele se incorpora, que constitui um só bloco; 22 – Quer os 2 arguidos, quer as 2 testemunhas ouvidas, referiram que o veículo padecia de diversas, e frequentes, avarias, incluindo o mau funcionamento do quadrante, afigurando-se a sua substituição em bloco como a única solução possível; 23 – Tendo ficado também claro que a aquisição de um quadrante novo no representante oficial era demasiado oneroso, o que levou a que o mesmo tivesse sido adquirido em estabelecimento de peças usadas, como tantas vezes acontece nestes casos; 24 – O próprio tribunal a quo, de resto, apenas considerou não provado que o assistente soubesse da substituição; 25 – A viciação do valor da quilometragem, o emprego de meio astucioso e a intenção de obter enriquecimento ilegítimo, foram conclusões do tribunal, que entendeu que terá sido assim. sem suporte em qualquer elemento de prova minimamente objectivável; 26 – A substituição do contador de quilómetros – ou melhor, do bloco em que se insere, que inclui também. por exemplo, a luz do airbag, (que também avariava) – terá visado, e seguramente foi esse o intento, a reparação de avarias, não podendo o tribunal extrapolar um qualquer intuito de burlar terceiros; 27 – Tendo estado mal o tribunal ao dar como provada a matéria referida supra na conclusão nº 20 – o que fez por erro notório na apreciação da prova – os arguidos têm de ser absolvidos, por falta de prova da prática do crime de burla; Ainda (terceira questão), 28 – No ponto 10 dos factos provados, o tribunal a quo considerou provado que os arguidos. com a sua conduta, lograram obter enriquecimento ilegítimo de valor concretamente não determinado; 29 – Porém, mais adiante, no ponto 18, esse tribunal considerou provado que o mesmo veículo tinha um valor de mercado não superior a 4.000 €; 30 – Ora, é evidente a contradição na fundamentação – de facto – se o tribunal considera. em simultâneo, que não se apurou o valor do enriquecimento. mas aponta para um valor de € 4.000.00; 31 – Tal contradição representa um vício na fundamentação da sentença que leva à sua revogação e reenvio para novo julgamento, nos termos dos art. 410, nº 2, e 426, do CPP; Mais (quarta questão), 32 – Se o tribunal recorrido não logrou apurar o valor do enriquecimento, ainda que de forma aproximada – ponto 10 da matéria provada – então não possui elementos para saber em que forma foi a burla praticada, se na forma simples (art. 217, do CP), ou numa das duas agravadas (art. 218, nº 1, ou nº 2, do CPP); 33 – Não sendo possível. portanto, saber qual o tipo legal que foi preenchido; 34 – Mais. faltam elementos para a escolha da pena (multa ou prisão?), assim como para a determinação concreta da...

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