Acórdão nº 231/14.6TTVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2014
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
ACÓRDÃO PROCESSO Nº 231/14.6TTVNG.P1 RG 430 RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS 1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA 2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO PARTES: RECORRENTE: B…, LDA.
RECORRIDA: C… VALOR DA ACÇÃO: 3 835,08 €◊◊◊ ◊◊◊I – RELATÓRIO 1. C…, residente na Rua …, .., hab. …, Vila Nova de Gaia, intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra “ B…, LDA.”, com sede na Rua …, .., Santa Iria da Azóia, opondo-se ao seu despedimento ocorrido em 17 de Janeiro de 2014.
◊◊◊2.
Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
◊◊◊3. A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT, alegando que o despedimento da Autora é lícito, uma vez que foi despedida com justa causa, tendo a mesma violado os seus deveres laborais, previstos nos artigos 126.º, 128.º, n.º 1, alíneas a), e) f), h) e j) e n.º 2, e artigo 351.º, n.º 2, al. a), todos do Código de Trabalho, nos termos do disposto no artigo 128º e 351º, nº1 e 2, alíneas a), d), e), h) e m) do Código do Trabalho, sendo que o comportamento da autora torna impossível com efeitos imediatos a subsistência da relação de trabalho, posto que a trabalhadora apoderou-se ilicitamente de bens a si pertencentes ( furto).
◊◊◊4.
A Autora respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, alegando não ser verdade que tenha furtado quaisquer bens da sua entidade empregadora., Concluiu pela ilicitude do seu despedimento, tendo, ainda, deduzido reconvenção, através da qual peticiona a condenação da Ré:
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Reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, caso esta não opte, na devida altura pela indemnização por despedimento ilícito; b) Pagar à Autora a quantia total de 1.704,48 € (mil setecentos e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) de créditos laborais vencidos e não pagos, descritos no artigo 22º do presente articulado, a que acresce juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento; c) Pagar as prestações pecuniárias vincendas desde esta altura até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
◊◊◊5.
A Ré respondeu impugnando a reconvenção deduzida pela Autora, concluindo pela licitude do despedimento e pela improcedência do pedido reconvencional.
◊◊◊6.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a fixação dos temas da prova.
◊◊◊7.
Foi realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal.
◊◊◊8.
Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo: “Face ao exposto, decido julgar a presente acção procedente e, em consequência: - declarar a ilicitude do despedimento de que C… foi alvo por parte de “B…, Lda”; - condenar a entidade empregadora a pagar à trabalhadora as retribuições que deixou de auferir desde 17/01/2014 até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento, à razão mensal de € 426,12, deduzidas das importâncias que aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, da retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção e do subsídio de desemprego atribuído à trabalhadora no período referido, subsídio esse que, a ter sido pago, a entidade empregadora deverá entregar à segurança social, quantia a que acrescem os juros vencidos desde a data da citação até integral pagamento, à taxa legal de 4%; - condenar a entidade empregadora a pagar ao trabalhador a quantia de € 2.982,84, a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento, e da quantia que possa acrescer em virtude da maior antiguidade aquando do trânsito em julgado da presente sentença; - condenar a entidade empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de € 852,24, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.
*Custas pela entidade empregadora (artigo 527º do CPC).
*Fixo o valor da acção em € 3.835,08 (artigo 98º-P/2 do CPT).
*Registe e notifique.
*Comunique a presente decisão nos termos previstos no artigo 75º/2 do CPT.”◊◊◊9.
Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, pedindo que se revogue a sentença recorrida e que a mesma seja substituída por outra que julgue lícito o despedimento da Autora, tendo deduzido as seguintes conclusões: 1. O tribunal a quo errou na aplicação do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do Trabalho aos factos demonstrados em sede de julgamento.
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O tribunal a quo deveria ter aplicado a norma constante do n.º 2 do artigo 20.º do Código Trabalho e assim deveria ter valorado o depoimento da testemunha D… que confirmou os factos em causa que motivaram o despedimento com justa causa dos quais teve conhecimento através do visionamento das imagens de videovigilância.
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Pois, não se verificou qualquer violação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CT, pois a ré e ora apelante nunca utilizou os meios de vigilância à distância com a finalidade de controlar o desempenho profissional das trabalhadoras.
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E preceitua o n.º 2 do artigo 20.º do CT que a utilização dos meios de vigilância a distância no local de trabalho é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
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As câmaras existentes no supermercado E…, local de trabalho da trabalhadora/apelada foram colocadas pelo E…, e devidamente comunicadas à CNPD.
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O E… possui câmaras de vídeo nas suas lojas com o fim exclusivo de prevenir ou reagir a casos de furto, vandalismo ou outros referentes à segurança de um estabelecimento, relacionados com o público, e existem avisos aos que se encontram no estabelecimento ou a ele se deslocam de que estão a ser filmados, sendo por isso a videovigilância legítima.
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Assim, a gravação obtida pelo sistema de videovigilância existente no local de trabalho, que é um estabelecimento comercial aberto ao público, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, e visionada pela testemunha D…, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diga respeito ao núcleo duro da vida privada da pessoa visionada.
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As imagens da apelada não foram registadas no contexto da esfera privada e íntima desta. O que é constitucionalmente protegido é, apenas a esfera privada e íntima do indivíduo.
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A recolha das imagens da apelada, através de videovigilância, como a sua posterior utilização e respectivo visionamento são lícitas, porque não se traduzem na prática de qualquer ilícito penal, e por isso são válidas as declarações da testemunha D….
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A Aliás, o próprio tribunal a quo admite na sentença ora impugnada que a testemunha D… confirmou a prática dos factos ilícitos por parte da apelada que determinaram a instauração do procedimento disciplinar e o seu despedimento com justa causa.
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A apelada não impugnou as imagens obtidas através dos meios de vigilância à distância, logo os factos que motivaram o despedimento promovido pela apelante deveriam ter sido considerados como confessados, conforme o disposto no artigo 98.º-L, n.º 2, do Código do Trabalho.
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Todos os trabalhadores da apelante têm conhecimento da existência das câmaras de vídeo no estabelecimento comercial E…, e 13. Existem diversos avisos/sinais afixados no estabelecimento comercial declarando que o estabelecimento comercial está sob videovigilância.
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É um facto notório, não carecendo de prova ou alegação, que existem câmaras de vídeo nos espaços públicos, designadamente, nos supermercados e hipermercados., facto que a apelada não podia ignorar.
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E conforme dispõe o n.º 1 do artigo 167.º do Código de Processo Penal, as gravações de imagens obtidas de forma lícita valem como prova de factos.
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Assim, reitera-se que, o depoimento da testemunha D… que visionou as imagens recolhidas pelas câmaras de vídeo e que mostram a apelada a retirar ilicitamente bens alimentares das prateleiras do supermercado, - (e dizemos ilicitamente, porque a apelada não pagou o preço desses bens) -, e a consumi-los no local de trabalho, deveria ter sido valorado pelo tribunal a quo.
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Ao não actuar deste modo, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 413.º do Código de Processo Civil que consagra expressamente que devem ser tomadas em consideração todas as provas produzidas.
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As imagens captadas pelas câmaras de videovigilância existentes no supermercado E… e visionadas pela testemunha D… indiciam a prática pela apelada de um ilícito penal – furto e consumo de bens alimentares – visando a subtracção de bens que pertenciam a terceiros, integrando-os na sua esfera de poder constitui, objectivamente, uma lesão culposa dos deveres de lealdade e honestidade – independentemente do respectivo valor pecuniário desses bens.
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Por si só e objectivamente, tal actuação destrói ou elimina, como eliminou, a confiança depositada pela entidade empregadora/apelante na trabalhadora/apelada não só ao nível da obediência às regras de execução e inerente produtividade do seu trabalho, como ao nível da boa-fé contratual e também, e principalmente, ao nível da sua seriedade no seio da empresa.
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E, porque a apelada podia e devia ter agido de outro modo, esse comportamento merece censura ético-profissional e compromete a relação de lealdade e confiança mútuas entre a trabalhadora e a empregadora – que constitui um valor absoluto, isto é, não admite meios termos nem se mede pelo valor dos bens envolvidos.
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A infracção praticada pela apelada não só comprometeu de forma irremediável a relação de confiança inerente à sua inserção na organização produtiva da empregadora e inerente às funções exercidas no seio da mesma, como...
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