Acórdão nº 044/17 de Tribunal dos Conflitos, 01 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal dos Conflitos

Processo nº 44/17 Recurso (art. 101º, nº 2 do CPCivil) Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Lisboa + Acordam em conferência no Tribunal dos Conflitos: I - RELATÓRIO Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (doravante CPAS) instaurou - pela Comarca de Lisboa Norte, Núcleo de Loures, Instância Central, Secção de Execução - execução para pagamento de quantia certa contra A……………, pretendendo haver desta a quantia de €67.258,87 relativa a contribuições para a CPAS, acrescida de juros vencidos (€53.397,94) e vincendos.

Alegou para tanto que a Executada é advogada e subscritora obrigatória da CPAS. Porém, não pagou, apesar de interpelada para o efeito, a aludida quantia relativa às devidas contribuições, tudo conforme certidão (título executivo) que juntou.

Foi proferido despacho a indeferir liminarmente o requerimento inicial, com fundamento em incompetência material do tribunal.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Exequente.

Fê-lo sem sucesso, pois que a Relação de Lisboa confirmou a decisão recorrida.

Entendeu-se no acórdão que as relações jurídicas estabelecidas entre a CPAS e os seus beneficiários são relações de natureza administrativa, para cuja apreciação são competentes os tribunais da ordem administrativa e fiscal nos termos da alínea o) do nº 1 do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).

Ainda inconformada, recorre a Exequente para este Tribunal dos Conflitos, ao abrigo do nº 2 do art. 101º do CPCivil.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões: 1.ª Vem o presente recurso para o Tribunal dos Conflitos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão da primeira instância que indeferiu liminarmente a presente ação executiva, pelo facto de ter julgado o tribunal judicial como materialmente incompetente para a decisão e tramitação deste processo executivo.

  1. O presente recurso é interposto nos termos do disposto no art.s 101.º, n.º 2 do C.P.C., uma vez que, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado incompetente o tribunal judicial para dirimir e tramitar a presente ação executiva, pelo facto de a mesma «pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o Tribunal de Conflitos.» 3.ª O tribunal competente, em razão da matéria, para julgar e tramitar a ação executiva proposta pela CPAS para cobrar as contribuições devidas pela Beneficiária A…………….. é o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Execução de Loures - Juiz 3, pelo que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter sido outra.

  2. Julgando o tribunal judicial como materialmente competente, porquanto a decisão não tomou em conta as particularidades da natureza e regime jurídico da própria CPAS.

  3. Por outro lado, o Acórdão recorrido, não levou em devida conta a comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em que esta entidade se mostrou indisponível para propor os processos executivos para cobrança das contribuições em dívida à CPAS, por falta de norma habilitante para o efeito.

  4. A CPAS, não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma forte componente privatística. Com efeito, 7.ª A CPAS «é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa... » (cf. Art.º 1.º, n.º 1 do regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06) não fazendo parte do sistema público de segurança social (cf. Ilídio das Neves in "Direito da Segurança Social - Princípios Fundamentais Numa Análise Prospectiva").

  5. A CPAS não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela (cf. Art.º 97.º do regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06), sendo essa tutela meramente inspetiva.

  6. A CPAS não faz parte da administração direta ou indireta do Estado.

  7. Os seus membros diretivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores».

  8. Mas além disso a CPAS não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.

  9. Pelo que a CPAS não deve ser qualificada como uma mera "pessoa coletiva de direito público", mas antes como uma entidade (sui generis) de natureza mista.

  10. Por outro lado, as contribuições para a CPAS não têm natureza tributária, mais se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões.

  11. De facto as contribuições para a CPAS assentam numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser percebida pelo beneficiário.

  12. A este facto acresce que, nos termos do disposto no art.s 80º, nº 4 do regulamento aprovado pelo Dec. Lei nº 119/2015, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e, portanto, da única vontade do beneficiário.

  13. O que não sucede com as quotizações dos trabalhadores (por conta de outrem e por conta própria) para a Segurança Social que estão diretamente dependentes da remuneração auferida e rendimento obtido.

  14. O Acórdão recorrido entendeu que «as relações jurídicas estabelecidas entre a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e os seus associados, são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral mencionada na referida al.

    o) do n.º 1 do artº 4.º do ETAF.» 17.ª Todavia, em face da natureza e regime pelo qual se rege a CPAS e tendo, igualmente, em atenção a natureza das contribuições, questiona-se se as relações entre a CPAS e os seus beneficiários serão, efetivamente, «relações de natureza administrativa» para o efeito do disposto na alínea o) do nº 1 do artº 4º do ETAF.

  15. Uma vez que próprio Acórdão recorrido reconhece que a CPAS tem uma natureza mista, entre o público e o privado: «da totalidade do regime legal a que estão sujeitos, não poderão deixar de se qualificar ( ... ) como uma entidade (sui generis) de natureza mista entre o público e o privado».

  16. Pelo que, tendo a CPAS uma natureza mista «entre o público e o privado», questiona-se se as relações entre a Caixa e os seus beneficiários poderão, simplesmente, ser qualificadas como tendo «natureza administrativa», 20.ª Ou se não poderão antes ser qualificadas como tendo natureza mista e, desse modo, considerar excessivo qualificar as relações jurídicas entre a CPAS e os seus beneficiários como sendo de «natureza jurídica administrativa» para efeitos da competência atribuída pela nova alínea o) do n.º 1 do art.s 4.º do ETAF aos tribunais administrativos e fiscais.

  17. Nos termos do Acórdão recorrido, a entidade competente para cobrar coercivamente as contribuições em dívida à CPAS seria a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) através do processo de execução fiscal.

  18. Ora, o n.º 2 do art.º 148.º do CPPT impõe, para que se possa fazer uso o processo de execução fiscal, no caso de «dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», que a Iei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.

  19. No novo regulamento da CPAS, aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06, não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à CPAS sejam cobradas através de processo de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT