Acórdão nº 3374/07.9TBGMR-C.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | NUNO CAMEIRA |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso 1.1.
Por sentença proferida a 12/10/07, transitada em julgado, foi decretada a insolvência de AA, Ldª, pedida por BB - Comércio de Produtos Siderúrgicos, SA, fixando-se o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
O Administrador da Insolvência juntou ao processo a lista dos créditos reconhecidos, nos termos do artº 129° do CIRE e, notificado das impugnações, uma nova lista (fls 525/529).
Houve uma tentativa de conciliação, na qual as partes transigiram parcialmente, e depois a instância esteve suspensa até ao trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito da ação ordinária apensa sob a letra “I” (fls 1917 a 1918).
No despacho saneador o crédito de CC e sua mulher DD (reclamação de fls 199 a 204) – único que, como resulta do que segue, nesta fase interessa destacar - foi julgado reconhecido no montante de 143.622 €, face ao acordo expresso na acta de fls 1877, onde ficou consignado que “os impugnantes mantêm a qualificação como privilegiado, por entenderem beneficiar do direito de retenção e pelo senhor administrador e membros da comissão de credores foi dito relegam para apreciação do tribunal a natureza do crédito reconhecido, embora não contestando ter havido tradição da coisa prometida vender”.
Realizado o julgamento (já na vigência do NCPC - versão introduzida pela Lei 41/2013, de 26/06), foi proferida sentença de graduação de créditos (fls 2265/2390 e 2390/2409, rectificada a fls 2573/2574 e 2625), da qual apelaram, entre outros, a credora EE - Consultores de Gestão, Ldª.
1.2.
Por decisão sumária de 27/5/15 (fls 2677/2678) a Relação de Guimarães anulou a sentença, ao abrigo do artº 662º, nº 2, c), CPC, por entender “...que é necessário ampliar a matéria de facto relativamente à questão de saber se certos credores devem ou não ser considerados consumidores, no âmbito do contrato do qual se entendeu resultar o privilégio do respectivo crédito”.
1.3.
Efectuado novo julgamento (fls 2138/2140), foi proferida em 7/8/15 sentença dando como assentes os seguintes pontos de facto: 1) Entre a insolvente e CC e DD foi celebrado o acordo denominado de contrato promessa, em 2/12/02, relativo ao apartamento do tipo T2, no módulo B, 3º andar, cabendo-lhe ainda a garagem, integrante do edifício situado na rua …, que a primeira prometeu vender aos segundos, a quem a entregou; 2) O impugnante celebrou com FF um acordo, pelo qual lhe cedeu, para habitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início em 1/4/05 e termo em 31/3/11, prorrogável por períodos iguais sucessivos, a fracção 1820-AQ (conforme esclarecimento posterior) – (artºs 8º e 9º da petição de reclamação); 3) FF e mulher celebraram com a Câmara Municipal o acordo de fornecimento de água e pagam as despesas do condomínio – (artº 27° da petição de reclamação); 4) Desde 2006 que os impugnantes fazem constar da sua declaração de rendimentos as rendas que recebem nos termos do acordo mencionado em 2)- (artº 28° da petição de reclamação).
5) Os impugnantes são professores (facto instrumental resultante da discussão da causa).
Com base nestes factos, decidiu-se assim (parte dispositiva da sentença): “Em face do exposto, deve proceder-se ao pagamento do crédito reconhecido aos impugnantes CC e GG, através do produto resultante da liquidação do bem imóvel apreendido sob a verba nº 13, do auto de fls. 35 a 36, do apenso respetivo, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …02-AQ/Caldelas, pela seguinte ordem: 1.° - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda dos bens; 2.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito de CC e DD, por beneficiarem de direito de retenção; 3.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira a título de IMI, de natureza privilegiada s créditos por IMI, de natureza privilegiada (relativo a este imóvel, a apurar, através de competente certificação, pelo Sr. AI); 4.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário titulado pela EE - Consultores de Gestão, SA (habilitada no apenso M), até ao limite do capital máximo assegurado; 5.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados do Instituto da Segurança Social, IP (na parte em que têm essa natureza); 6.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado da Autoridade Tributária e Aduaneira a título de IRS e de IRC; 7.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento rateado aos créditos enumerados como comuns, em par de igualdade, na lista de créditos homologada; 8º - Do remanescente, dar-se-á pagamento rateado aos créditos enumerados como subordinados (aos juros de créditos não subordinado constituídos após a declaração de insolvência, com exceção dos abrangidos por garantia real ou por privilégios, até ao valor do bem respetivo).
Custas pela massa insolvente - artigo 304°, do CIRE”.
1.4.
A credora EE - Consultores de Gestão, Ldª, apelou, tendo a Relação, primeiro através de decisão sumária do relator e depois por acórdão da conferência de 14/1/16, julgado o recurso improcedente, “ainda que não, totalmente, pelos mesmos fundamentos” (fls 3055).
A fundamentação jurídica do acórdão da 2ª instância é a seguinte (que parcialmente se reproduz): “....
ii) A decisão de direito: É discutida pela recorrente, que pretende ver o seu crédito graduado à frente do daqueles CC e esposa, visto que estes, porque têm o prédio em questão arrendado, como senhorios, não terão direito à protecção decorrente do disposto no artº755.º, nº1, f), do CC, cujo “regime legal prendeu-se com a necessidade de tutelar os particulares, maxime o direito à habitação, constitucionalmente consagrado (…), prevalecendo o direito de retenção, ainda perante hipoteca registada em data anterior, (…), numa lógica de defesa do consumidor.”.
Que dizer? A alínea f) do nº1 do dito artº 755º foi, como se sabe, introduzida pelo DL 379/86, de 11-11, e, literalmente, nem fala em consumidores, nem em particulares, nem em direito à habitação, referindo-se apenas ao “beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º.”.
A interpretação do inciso suscitou, porém, decisões díspares, vindo a ser prolatado o douto acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ) nº4/2014, de 20-03-2014, cujo sumário se vê na conclusão 15 do recurso.
Ressalvado o devido respeito, não acompanhamos a tese que fez vencimento neste aresto, revendo-nos, antes, nos vários votos de vencido que entendem não haver razão plausível para restringir, a aplicação do preceito em questão, aos consumidores.
.....
Não pode aceitar-se que, sendo o pensamento legislativo aquele que, no AUJ, se fixou, ele tenha sido tão deficitariamente transcrito para aquela alínea f), redigida em termos o mais amplos possíveis. Nem a um observador não particularmente atento...
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