Acórdão nº 207/08.2GDGMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - A fixação da medida concreta da pena é, estruturalmente, um derivado dos princípios legais que lhe respeitam, do direito, sem poder ignorar-se que o acto decisório comporta, também, uma “componente individual, que não é plenamente sindicável de um modo racional, pois trata-se de converter a quantidade de culpabilidade em “magnitudes penais”, norteada por regras escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações, preponderando a tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é controlável em sede de revista.

II - Nas hipóteses em que o agente se mostra reduzidamente carente de educação para o direito, a pena deve situar-se no limite mínimo ou mesmo com ele coincidir, constituindo a pena concreta mera advertência, casos dos agentes ocasionais ou situacionais, princípio que cede, em maior ou menos escala, ante hipóteses de agentes imputáveis relativamente aos quais se perderam “esperanças fundadas” de ressocialização, carentes de inocuização.

III - O arguido foi condenado pela prática de 10 crimes de roubo qualificado, um tentado e um simples, quatro crimes de furto simples, todos em co-autoria, um de condução sem habilitação legal, ressaltando dos factos provados que o arguido desempenhou, no plano traçado com os demais arguidos, por todos querido e desejado, de apropriação ilegítima de bens ou valores de terceiro, inclusive o recurso à força, um papel preponderante, pois foi ele que em 3 deles empunhou uma faca que encostou à barriga e pescoço das vítimas e em mais 6 uma pistola de alarme, transformada e apta ao disparo de munições de calibre 6,35 mm, de que era dono e que apontou às suas vítimas; as vítimas eram, salvo um caso, empregadas de postos abastecedores de combustível a alvo preferencial da acção criminosa conjunta e em co-autoria, postos esses dos quais retiraram dinheiro em caixa, num total de € 3673,09 e, ainda, tabaco.

IV - Tendo a pena única como limite mínimo 3 anos e 3 meses e máximo a de 25 anos, entende-se adequada a pena única de 10 anos de prisão, dado que, sem menosprezar a gravidade dos factos e a necessidade de, pela pena, fazer interiorizar ao arguido as maléficas consequências do seu proceder, não se crê que os ilícitos em causa dimanem de uma propensão para o crime, mas, essencialmente, do desnorte temporário, por alguma perturbação na condução do estilo de vida a que o consumo de cocaína impeliu, sendo de pouco relevo o seu passado criminal; por outro lado, a pena de concurso tem de levar em apreço que o arguido tem 22 anos, sendo um jovem, e que uma longa pena de prisão, de que a sociedade também não beneficia, por razões várias, compromete a possibilidade readaptação ao real, uma vez restituído à liberdade (o tempo adquiriu uma dimensão antropológica de tal ordem, uma voragem, que uma longa pena compromete a reinserção vantajosa do agente; um tempo de reclusão de mais de 10 anos ultrapassa em muito mais, qual efeito multiplicador, a perda de liberdade correspondente).

V - A circunstância de se ter dado como provado que o arguido, com os demais, se dedicavam ao roubo para adquirirem cocaína, que consumiam, não afasta a conclusão de que agiu de forma voluntária, consciente e livre.

V - As situações de inimputabilidade com ligação ao consumo de estupefacientes são muito escassas; a emissão de um juízo de exclusão sobre a capacidade da avaliação da ilicitude e de autodeterminação ou a redução daquela capacidade, configurando uma situação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída – art. 20.°, n.°s l e 2, do CP – foi afastada pelo colectivo, ante o qual desfilaram as provas e a cuja valoração procedeu, não se sentindo obrigado ao dever de declarar estado; o arguido não desconhecia a ilicitude do consumo e aquisição da cocaína, apesar disso persistiu neles, devendo, se se mostrasse afectado psiquicamente – o que não é o caso –, falar-se numa actio libera in causa, que se verifica exactamente quando uma anomalia psíquica contemporânea do facto é provocada pelo agente com o propósito de causar o evento, sendo nessa altura o agente plenamente responsável, porque o agente instrumentaliza o seu próprio corpo de forma a realizar o facto querido pela sua vontade, e nessas circunstâncias rege o n.° 4 do art. 20.° do CP, excluindo a inimputabilidade.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: O arguido AA foi condenado , no P.º comum com intervenção do tribunal colectivo sob o n.º 207/08 . 2GDGMR . S1, da 1.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães , como autor material de: 10 crimes de roubo , p . e p. pelo art.º 210.º n.º 2 b) , com referência ao art.º 204.º n.º 2 f) , do CP, nas penas de 3 anos e 3 meses de prisão por cada; 2 crimes de roubo simples, sendo um em forma tentada , p.e p. pelos art.ºs 210.º n.º 1, 22.º e 23.º, do CP, nas penas de 1 ano e 3 meses e 6 meses de prisão , respectivamente ; 4 crimes de furto simples , p . e p . pelo art.º 203.º n.º 1 , do CP , na pena de 1 ano de prisão por cada ; 1 crime de condução ilegal , em forma continuada , p .e p. pelos art.ºs 3.º do Dec.º -Lei n.º 2/98 , de 3/1 e 30.º, do CP, em 1 ano de prisão ; e Uma contraordenação ao art.º 29.º , do CE , em coima de 210€.

Em cúmulo jurídico foi-lhe aplicada a pena de 13 anos de prisão , acrescendo a coima de 210€ .

I . Inconformado com o teor do decidido, interpôs recurso , contestando as penas parcelares e de conjunto impostas.

Estamos perante um conjunto de factos criminosos, cuja ilicitude não é das mais graves, perpetrados num período de tempo curto (20 de Maio de 2008 a 16 de Junho de 2008), e marcado, essencialmente, pela toxicodependência do recorrente (consumo de cocaína).

  1. - A conduta do arguido, em apreço nos presentes, autos só poderá ter o enquadramento adequado e correcto quando apreciada à luz do seu circunstancialismo fáctico, reconhecendo-se e recebendo-se como circunstância francamente atenuante da sua culpa (na definição de cada uma das parcelares penas a aplicar) a objectiva e evidente impossibilidade de consciência prática que conferiria a perfeita ilegalidade à sua conduta.

  2. - Assim, a pena única de treze (13) anos de prisão, a que o Tribunal a quo condenou o arguido, ultrapassando exacerbadamente os limites da sua culpa, revela-se desproporcional às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, desadequada à concreta finalidade da ressocialização do agente, frontalmente violadora do comando contido no artigo 71.°, do Código Penal Português, portanto injusta e inadmissível, impondo-se a aplicação de pena inferior à do acórdão recorrido.

  3. - A efectiva sujeição do ora Recorrente a uma pena privativa da sua liberdade, por treze (13) anos, colocará em sério risco a sobrevivência das quatro pessoas que compõem o agregado familiar do arguido, causando um prejuízo social concreto e indiscutivelmente mais grave e importante do que a perigosidade abstracta das condutas ilícitas do arguido provocou na sociedade e na ordem jurídica.

  4. - Ora, caso seja confirmada a imperativa necessidade da sujeição do arguido a uma pena privativa de liberdade, por treze (13) anos, tal não permitirá ao recorrente apoiar logística e financeiramente a sua família, como igualmente acompanhar e participar no crescimento de seus filhos, com 2 e 3 anos de idade, sem prescindir do nefasto e indesejável efeito criminógeno da reclusão prisional.

  5. - E, obviamente, mesmo os tribunais (v.g. juiz) estão sujeitos ao princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade, exigibilidade e justa medida) - artigo 18.°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa.

  6. - Acrescenta o Prof. Figueiredo Dias que "tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)".

  7. - O acórdão cumulatório recorrido dá contexto à personalidade do arguido e recorrente, AA, mas não atribui a relevância devida às circunstâncias apuradas. O princípio da culpa contêm em si um limite máximo a observar na determinação da medida concreta da pena unitária a aplicar em caso de concurso de crimes. Num juízo breve dir-se-á, pois, que o Colectivo não ponderou adequadamente os factores a que a lei manda atender em sede de fixação concreta da pena conjunta violando, nesta conformidade, o disposto no artigo 77.°, do Código Penal.

    Impõe-se a aplicação ao arguido de uma pena única inferior à do acórdão recorrido (por desproporcional à culpa do arguido e desadequada às concretas necessidades de prevenção, geral e especial, que a sua conduta reclama e, como tal, ilegal).

  8. - Na escolha e determinação da medida concreta da pena o Tribunal violou os princípios da culpa, as finalidades de prevenção da reincidência e os critérios relevantes para a escolha e determinação da medida e ainda os aplicáveis à punição do concurso efectivo, previstos nos artigos 40.°, 71.°, n.° 1 e n.° 2, 72.° e 77.°, do CP..

  9. - Desde logo, neste contexto e em sede de concurso efectivo, em ordem a determinar a medida da pena, releva a sua toxicodependência como factor limitativo ou fortemente inibidor da sua capacidade de livre determinação, havendo lugar à previsão do artigo...

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