Acórdão nº 09/14 de Tribunal dos Conflitos, 19 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução19 de Junho de 2014
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito nº: 9/14-70.

Acordam no Tribunal dos Conflitos: 1. A………… e B………… intentaram acção de condenação contra EDP Distribuição de Energia, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de €65.000 a título de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos, nos termos do art. 37° do DL 43335, de 19/11/60, pela constituição de uma servidão administrativa aérea de passagem de energia eléctrica de alta tensão sobre um prédio de que são proprietários, acrescida dos juros de mora.

Alegam, para tanto, que a R., no exercício da actividade de operadora da rede nacional de distribuição que explora em regime de concessão de serviço público, procedeu à instalação de uma linha aérea, cujo traçado atravessa o prédio misto de que os AA. são proprietários — afectando-lhe o valor de mercado, que atingia o montante de €80.000, pelo qual o tinham prometido vender antes da instalação da citada linha aérea — reduzindo-se o seu valor actual a €15.000.

A R. impugnou a pretensão deduzida, sendo suscitada, na fase de saneamento, a questão prévia da incompetência dos tribunais judiciais para a dirimição do presente litígio — resolvida no saneador sentença proferido pela procedência da excepção de incompetência material.

Inconformados, apelaram os AA., tendo, porém, a Relação confirmado inteiramente o sentido decisório adoptado na 1ª instância, afirmando: A questão a decidir resume-se a saber se se verifica a excepção dilatória, de incompetência absoluta do Tribunal Judicial de Faro, em razão da matéria para conhecer dos presentes autos.

Com relevo para a apreciação do objecto do recurso salienta-se que os AA. demandaram uma entidade privada concessionária da distribuição de energia eléctrica nacional (concessão explorada em regime de serviço público), pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos, expressamente prevista no artigo 37° do DL n.° 43335, de 19 de Novembro de 1960, pela constituição de uma servidão administrativa aérea para a passagem de energia eléctrica de alta tensão sobre um prédio de que são proprietários.

Compete aos Tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos; Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas Colectivas de direito público, (art° 4º, nº 1, alíneas d) e i), ETAF aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro). Ou seja, quanto a responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados, a jurisdição administrativa só é competente para a apreciar quando a esses sujeitos for aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, actualmente consagrado na Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, que revogou o DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967.

Sufragamos a exausta fundamentação da decisão recorrida, designadamente quando se refere que «No que respeita à determinação dos termos e condições da sua aplicabilidade a, designadamente às chamadas entidades Públicas sob formas privadas ou entidades privadas de mão pública (os «falsos privados») e os privados que exerçam poderes públicos, designadamente os concessionários, que, para este efeito, faz sentido equiparar às entidades públicas importar reter o estabelecido no artigo 1°, n° 5 do seu Regime anexo: «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade de pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.

Quanto às pessoas colectivas de direito privado, continua a ser relevante, para o efeito de determinar se um litígio é da competência dos Tribunais administrativos ou dos Tribunais comuns, saber se o facto constitutivo da responsabilidade se encontra ou não submetido à aplicação de um regime substantivo específico de direito público.» Independentemente de se discutir ou não a regularidade ou validade da constituição da aludida servidão administrativa, o que certamente constitui a causa de pedir é, a responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos, nos termos do artigo 37º do DL n° 43335, de 19 de Novembro de 1960, diploma que regula a matéria relativa à implantação de instalações eléctricas e à constituição de servidões, prevendo as correspondentes indemnizações o que permite concluir que a alegada actuação da ré «E.D.P. DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA, S.A.» cabe na previsão, pelo menos, da alíneas i) do n° 1 do artigo 4° do ETAF, conjugado com o disposto no artigo 1°, n° 5 do regime anexo à Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro.

Assim sendo, forçoso é concluir que os Tribunais judiciais são absolutamente incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do objecto dos autos, por o pedido formulado dever ser apreciado no foro administrativo.

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisão recorrida.

  1. De tal aresto, pretenderam os AA. recorrer para o STJ, determinando-se, porém a convolação da revista em recurso para o Tribunal de Conflitos, ao abrigo do disposto no n°2 do art. 107° do CPC.- e sendo as seguintes as conclusões da alegação dos recorrentes: 1- A determinação do órgão jurisdicional materialmente competente é feita com base na relação jurídica controvertida (“quid disputatum”), nos exactos termos unilateralmente afirmados pelo autor na petição inicial, na sua dupla vertente de causa de pedir e pedido.

    2 - O objecto da presente acção, tal como é arquitectado pelos recorrentes na sua petição inicial, tem por base a constituição, por parte da recorrida, no exercício da actividade de operadora de rede de distribuição, de uma servidão administrativa aérea (linha aérea a 60kv, LA-60-172 Estoi) para a passagem de energia eléctrica de alta tensão, que no seu traçado atravessa no prédio misto de que os mesmos são proprietários.

    3 - Servidão essa que, no entendimento dos recorrentes, implica uma diminuição significativa do valor de mercado do aludido prédio e, coroláriamente, faz incorrer a recorrida na obrigação de os indemnizar pelos prejuízos daí decorrentes, com fundamento em responsabilidade cível extra - contratual por actos lícitos, como emana do disposto nos termos do artigo 37° do Decreto-Lei n° 43335, de 19 de Novembro de 1960.

    4 - Não está em discussão, pois, a legalidade da actuação da recorrida, na exacta medida em que os recorrentes não questionam a regularidade ou validade de todo o procedimento administrativo conducente à constituição da servidão administrativa em apreço, 5 - submetendo exclusivamente à apreciação do Tribunal, a questão da determinação do justo valor indemnizatório que entendem lhes ser devido.

    6 - Nesta matéria cumpre recorrer às normas constantes nos artigos 37° e 38° do Decreto-Lei n° 43335, de 19 de Novembro de 1960, ao qual é aplicável o Código das Expropriações, com as necessárias adaptações.

    7 - Tratando-se de indemnização pela constituição de uma servidão, o artigo 38°, n° 1 do Código das Expropriações, “ex-vi” artigo 8°, n° 3 do mesmo diploma legal, atribui expressamente aos Tribunais Comuns a competência para conhecer das acções sobre o valor dessa indemnização.

    8 - De igual modo, importa ter presente o estatuído no artigo 51° Código das Expropriações, aplicável com as necessárias adaptações, que determina que a entidade expropriante deve remeter o processo ao tribunal da comarca da situação dos bens expropriados, para os efeitos aí determinados.

    9 - É pois o Tribunal Judicial de Faro, o competente para apreciar a pretensão indemnizatória dos recorrentes, pelo que o Acórdão recorrido não pode deixar de ser revogado a substituído por outro que determine o Tribunal Judicial de Faro como materialmente competente para a apreciação do pedido indemnizatório deduzido pelos recorrentes, ordenando o prosseguimento dos autos naquela 1ª instância, como se pede e se espera.

    Mais ainda que assim não fosse, como é...

    10 - O critério para a atribuição da competência material aos Tribunais Administrativos, é o litígio fundar-se numa relação...

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