Acórdão nº 058/13 de Tribunal dos Conflitos, 06 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam no Tribunal dos Conflitos: 1. EMGHA - Gestão da Habitação Social de Cascais, EM, intentou no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais acção de condenação, na forma sumária, contra o R. A………… em que — afirmando-se proprietária do imóvel dado de arrendamento pelo documento de fls. 21/22 à mãe do R., entretanto falecida (facto que terá determinado a caducidade da relação locatícia), detido desde então pelo demandado sem qualquer título que legitime a ocupação — pede que o R. seja condenado a entregar o imóvel livre de pessoas e bens e no estado de conservação em que a arrendatária o recebeu, bem como a pagar a indemnização devida pela respectiva ocupação sem qualquer título legítimo, por essa via ressarcindo a A. dos danos resultantes da privação da disponibilidade da dita fracção.

Tendo-se frustrado a citação pessoal do R., foi, naquele Tribunal, proferido despacho a julgá-lo materialmente incompetente para os termos da causa, absolvendo-se o R. da instância com base na seguinte argumentação: A autora formula o pedido de condenação do réu no pagamento de quantias alegadamente em dívida, por falta de pagamento resultante de obrigação decorrente da celebração de um contrato de arrendamento ao abrigo do regime de renda apoiada estabelecido pelo Decreto-lei, n.º 166/93, de 7 de Maio.

Por outro lado, justifica a respectiva legitimidade no facto de ser uma “(...) empresa municipal” à qual foi atribuída a função de promover a gestão “do parque habitacional do Município de Cascais” Face ao alegado, afigura-se claro que o fundamento da obrigação cujo reconhecimento vem peticionado se reconduz à existência de um acto administrativo de atribuição de um “fogo municipal” e à subsequente obrigação de pagamento de renda, no âmbito de uma relação contratual com a administração.

Nestes termos, dúvidas não subsistem de que o primeiro dos pressupostos que estriba o pedido formulado no âmbito dos presentes autos se reconduz a um verdadeiro e próprio acto administrativo.

Com efeito: “(...) o que está em causa é a aplicação do regime de renda apoiada aos fogos habitados pelos recorrentes, regime este regulado no DL n° 166/93, de 07-05.

E este regime, ao contrário do sustentado pela recorrida, não é um regime de direito privado.

Não é fixado por acordo das partes, ao contrário do que sucede com os regimes de renda livre e de renda condicionada - artigo 77°, do RAU, aprovado pelo DL n°s 321- B/1990, de 15-10.

Tem por objecto “todas as habitações destinadas a arrendamento de cariz social, quer tenham sido, adquiridas ou construídas pelo Estado, quer pelas autarquias locais... (preâmbulo do DL 166/93, de 07-05, § 2°).

E estabelece prerrogativas de autoridade que não existem no arrendamento de natureza jurídico-privada: A autoridade locadora pode, a todo o tempo, solicitar aos arrendatários quaisquer documentos e esclarecimentos para a instrução ou actualização dos respectivos processos, fixando para o efeito um prazo de resposta não inferior a 30 dias (artigo 9°, 2 do Decreto-Lei n° 166/93); O incumprimento injustificado pelo arrendatário do disposto no número anterior dá lugar ao pagamento por inteiro do respectivo preço técnico (artigo 9°, n°3); (...) Daí ser competente, em razão da matéria, o Tribunal Administrativo e Fiscal, para conhecer de mérito, já que o acto que determina a aplicação de um regime de renda apoiada, previsto no DL 166/93, é um acto administrativo, pelo que sindicável naquele tribunal, nos termos do artigo 51º n° 2 do CPTA, e artigos 1° e 4°, n° 1, alínea d) do ETAF” - cfr. douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08.06.2006, disponível in www.dgsi.pt.

No caso em apreciação a relação material controvertida queda-se já pelo próprio (in)cumprimento do contrato, enquanto complexo de obrigações e deveres, que teve subjacente o acto de atribuição de um fogo, pelo que nos encontramos no âmbito de aplicação da alínea f) do citado artigo 4° do ETAF.

Na verdade, nos termos do artigo 4°, alínea f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (...) f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público; (…)” Em suma, perante o facto de a atribuição de fogo ser decidida por despacho, por decisão da autarquia, perante a análise dos rendimentos do agregado e na prossecução do interesse público, afigura-se-me inquestionável que o que legitima a ocupação do locado e que, por outro lado, estriba a obrigação de pagamento de renda não poderá deixar de ser qualificado como administrativo, face ao regime legal a que se submete, — neste sentido, com muito interesse: douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.05.2006, disponível in www.dgsi.pt.

Assim, também já foi decidido pela 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no agravo n° 959/06, relatado por Gilberto Martinho dos Santos Jorge.

Assim, impõe-se concluir, sem necessidade de mais delongas, que o presente tribunal é absolutamente incompetente em razão da matéria para a instrução dos autos e subsequente apreciação do pedido, por se verificar a situação prevista no artigo 4º, alínea f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Acresce que, nos termos conjugados dos art°s. 101º, 102°, 103°, 105°, 493°, n° 1 e 2, 494°, al. a), 495° e 795°, todos do Cód. Proc. Civil, a incompetência em razão da matéria constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso, e determina a absolvição do réu da instância.

*Pelo exposto, julgo este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido e em consequência, absolvo a ré da instância.

Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra - já que a A. renunciou ao direito de impugnar a decisão proferida — e após se ter procedido à citação edital do R., foi proferido despacho a julgar incompetente, em...

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