Acórdão nº 023/12 de Tribunal dos Conflitos, 21 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam no Tribunal de Conflitos: Associação A……., Instituição Particular de Solidariedade Social, com sede na Av. ……., ……….., ……., …….., vem, nos termos do artigo 115º nº1 do Código de Processo Civil, requerer a resolução do presente conflito negativo de jurisdições.

Para tanto, alega em síntese, que instaurou contra a Câmara Municipal da Amadora, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, acção administrativa especial, pedindo a anulação da deliberação de 16/12/2009 daquela entidade, sendo que aquele tribunal se declarou incompetente e, posteriormente, intentou na Comarca da Grande Lisboa Noroeste, no Juízo de Grande Instância Cível, uma acção pedindo o reconhecimento da titularidade do direito de superfície, tendo tal tribunal, por sentença de 14/6/2012, também se considerado incompetente.

Emitiu douto parecer o Exmo. Magistrado do Ministério Público, com o seguinte teor: “Por sentença transitada em julgado em 28/2/2011, o TAF de Sintra julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção administrativa especial que visava a anulação da deliberação camarária que resolveu o contrato de cedência do direito de superfície celebrado com a A. e determinou a reversão do espaço cedido, ou subsidiariamente, a condenação da Ré no pagamento de indemnização.

Propôs, então, a mesma A., no Tribunal Judicial da comarca da Amadora, acção de reivindicação sob a forma ordinária, peticionando que lhe fosse reconhecida a titularidade do direito de superfície e condenada a Ré a restituir-lhe a parcela de terreno cedido e instalações, ou, subsidiariamente, no pagamento de indemnização.

Em ambas as acções, a causa de pedir é a deliberação camarária referida e a sua execução através da polícia municipal.

Porém, os pedidos formulados em cada uma das acções não coincidem, o que, desde logo, suscita dúvidas sobre a identidade da questão de cujo conhecimento ambos os tribunais declinam o respectivo poder, para efeitos do disposto no artigo 115º nº1 do CPC. Na verdade, se essa identidade pressupõe a tríplice identidade – das partes, do pedido e da causa de pedir –, à semelhança do que exige o artigo 498º do CPC, então a conclusão só poderá ser a de que não existe verdadeiro conflito a resolver.

É constante a jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, bem como do STA e do STJ, no sentido de que “a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, designadamente, a identidade das partes, a pretensão e os seus fundamentos” – cfr., por todos, o acórdão deste Tribunal de 20/9/2012-Proc. nº2/12.

Mormente, quando se trata de resolver o conflito instalado, para determinar qual dos tribunais em conflito é o competente para conhecer da questão, importa saber de que questão se trata, nas suas causas, mas também nas suas consequências práticas, que a procedência do pedido determina.

Ora, variando as pretensões principais, consoante os tribunais onde foram propostas as acções, e devendo a competência aferir-se em função do modo como as acções foram propostas, poderá não existir verdadeiro conflito a resolver, por as decisões em confronto não se terem debruçado sobre questões diferentes.

Entendendo-se que há um real conflito de jurisdição – designadamente reconduzindo-se os pedidos principais formulados à pretensão de restituição da parcela cedida e das instalações ocupadas pela Ré, em que se poderia vir a traduzir a execução de sentença anulatória, e com o que se poderá confundir a pretensão reivindicativa formulada ao abrigo dos artigos 1311º e ss. do CC, como resultado da invalidade da deliberação e dos actos materiais invocados na p.i., – deverá considerar-se competente a jurisdição administrativa.

Com efeito, a questão que se coloca, em síntese, é a de saber qual o tribunal competente para verificar se a Câmara Municipal, ao deliberar “aprovar a revogação do contrato de cedência do direito de superfície e accionar cláusula de reversão prevista no contrato de cedência do direito de superfície e ao praticar os actos de encerramento e demolição das instalações construídas pela A. a coberto desse direito de superfície, violou aquele contrato.

Residualmente, os tribunais judiciais têm competência para conhecer das causas que não sejam legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (nº1 do artº211º da CRP e arts. 66º do CPC e 18º nº1 da LOFTJ, aprovada pela Lei nº3/99, de 13/1).

Importa verificar, antes de mais, atento o confronto delineado, se o caso não cabe no âmbito da competência dos tribunais administrativos, de acordo com o critério do nº3 do artigo 212º da CRP, reproduzido no ETAF, ao estipular no seu artigo 1º nº1 que “os tribunais da ordem administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. E, uma vez que a fonte da relação material em causa emerge de contrato celebrado entre as partes, tem interesse considerar o artigo 4º nº1 al.f) do ETAF, segundo o qual compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos “especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo”.

Esta densificação, aqui confirmativa do critério geral que resulta do artigo 1º, tem claramente aplicação no caso em apreço. Com efeito, desde logo, estipula o artigo 1527º do CC que “o direito de superfície constituído pelo Estado ou por pessoas colectivas públicas em terrenos do seu domínio privado fica sujeito a legislação especial e, subsidiariamente, às disposições deste Código”. Essa legislação especial, ditada por razões de interesse público administrativo, consta essencialmente do capítulo IV do DL. nº794/76, de 5/11, sob a epígrafe “Constituição do direito de superfície” e regula especificamente o contrato considerado.

Não se pode, assim, acompanhar a sentença proferida pelo TAF de Sintra, quando conclui que “o contrato em apreço se rege inteiramente por normas de direito privado”.

Acresce que a acção também se funda na prática de actos materiais, com manifestação de poder administrativo. E...

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