Acórdão nº 06/11 de Tribunal dos Conflitos, 05 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução05 de Julho de 2012
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito nº6/11 Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal de Conflitos: I- RELATÓRIO A……, Vereador da Câmara Municipal de Aveiro, com competência delegada, veio ao abrigo dos artº115º e segs. do CPC, requerer a resolução do presente conflito negativo de jurisdição, entre o Tribunal da Comarca do Baixo Vouga de Aveiro (Média e Pequena Instância Cível) e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, já que ambos declinaram a competência para a emissão do mandado judicial a que alude o artº 95º, nº3 do DL 555/99, de 16.12, por sentenças já transitadas em julgado.

Distribuído o processo foi o mesmo com vista ao MP, que emitiu o seguinte parecer: «Vem requerida a fixação do Tribunal competente para o processo instaurado com vista à emissão de mandado judicial que permita aos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras, a entrada no domicílio de uma pessoa sem o seu consentimento, com vista ao exercício daquelas funções.

O processo foi instaurado no Tribunal Judicial de Aveiro, que se declarou incompetente em razão da matéria e absolveu a requerida da instância, por considerar inconstitucional a disposição do artº 95º, nº3 do Dec. Lei nº 555/99, de 16.12 – que estabelece que o mandato judicial para os funcionários municipais entrarem no domicílio de qualquer pessoa sem seu consentimento é concedido pelo juiz da comarca - não aplicando esta disposição.

Sobre a questão da inconstitucionalidade da norma do nº3 do artº95º, do Dec. Lei nº555/99, pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão nº145/2009, de 24.03.2009, citado na decisão proferida pelo Tribunal da Comarca do Baixo Vouga Aveiro e no âmbito dos presentes autos, na Decisão Sumária de 02.12.2009, proferida no Proc. nº 957/09, que remeteu para a jurisprudência do referido Acórdão.

A disposição do nº3 do artº95º do Dec. Lei nº555/99 foi declarada organicamente inconstitucional, por a competência material dos tribunais ser matéria de reserva de Lei nos termos da alínea p) do nº1 do artº165º da Constituição, a norma em causa ser inovadora em face do disposto no artº 212º, nº3 da Constituição e não ter subjacente a necessária autorização da Assembleia da República (artº165º, nº1 p) da CRP).

Requerida a emissão do mandado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, veio também este Tribunal a declarar-se materialmente incompetente.

Está em causa nos autos a aplicação de normas de direito público, de natureza administrativa, uma vez que a Câmara Municipal se encontra a exercer os poderes públicos que integram a sua competência no domínio do urbanismo e lhe são conferidos pelo artº64º, nº5, als. b) e c) da Lei nº169/99, de 18.09, com vista à defesa das necessidades colectivas de segurança e salubridade de habitações.

Pelo que nos termos dos artº212º, nº3 da CRP e 1º, nº1 do ETAF (aprovado pela Lei nº13/2002, de 19.92), a apreciação do pedido deduzido será da competência dos tribunais da jurisdição administrativa por serem estes os tribunais comuns para o conhecimento dos litígios suscitados no âmbito das relações jurídicas administrativas.

Só assim não será se o legislador tiver, validamente, restringido o âmbito da jurisdição definido no artº1º do ETAF, dele excluindo a apreciação das questões como a dos autos.

A norma do nº3 do artº95º do Dec. Lei nº555/99, que atribui ao juiz da comarca a competência para a concessão de mandato referido no nº2 do citado artigo foi, no processo a que estes autos se reportam, declarada inconstitucional pela Decisão Sumária de 02.12.2009, que confirmou o juízo de inconstitucionalidade do Acórdão nº 145/99, de 24.03, por violação do disposto na al. p) do nº1 do artº165º da Constituição.

E antes da entrada em vigor do nº3 do artº95º do Dec. Lei nº 555/99, não existia norma a atribuir expressamente a uma jurisdição a competência para a emissão do mandado para a entrada no domicílio de pessoa sujeita a fiscalização municipal. Regiam apenas as normas dos artº212º, nº3 da CRP e 3º do ETAF (Dec. Lei nº129/84, de 27.04), nos termos das quais aquela competência pertencia aos Tribunais Administrativos.

Por outro lado, conforme refere o Acórdão nº145/09 do T.C., o facto de o Dec. Lei nº555/99 ter sido republicado em anexo à Lei nº60/2009, de 04.09, não significa que a norma em causa tenha sido assumida pela Assembleia da República. Esta norma não foi objecto de qualquer reprodução por via de Lei.

São assim, competentes para a concessão do mandado, os Tribunais da Jurisdição Administrativa, como o Tribunal Constitucional entendeu no seu acórdão nº 145/2009 (artº212, nº3 da Constituição e 1º, nº1 do ETAF).» Vêm os autos à conferência, para decisão.

* FUNDAMENTAÇÃO 1.

A competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum e não pelo quid decisum e, portanto, o que releva, para o efeito, é o pedido e a causa de pedir tal como configurados pelo Autor (Cf. o acórdão do T. Conflitos de 25.11.2010, rec.021/10 e os Profs. Alberto dos Reis, Comentários ao CPC, I, p. 147 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p.94).

Ora, o Senhor Vereador da Câmara Municipal de Aveiro requereu, primeiro, junto do Tribunal Judicial de Aveiro e, face à declaração de incompetência material deste, depois, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a emissão de mandado judicial, nos termos do artº95º, nº1 e 3 do DL 555/99, de 16.02 (RJUE), que autorizasse a polícia municipal a entrar na fracção de C……, sita na Rua ……nº…, …º …, em Aveiro, dado a recusa de consentimento desta, com vista a verificar o cumprimento de anteriores decisões camarárias que ordenaram a reposição dessa fracção de acordo com o projecto aprovado e a cessação da utilização da mesma como habitação, uma vez que aquela teria nela efectuado obras sem o devido licenciamento e que contrariavam o RGEU.

Ambos os tribunais se declararam incompetentes, atribuindo-se mutuamente competência, para a decisão do pedido, tendo as respectivas sentenças transitado em julgado.

Estamos, pois, perante um conflito negativo de jurisdição, nos termos do artº115º do CPC.

Importa, então, definir a jurisdição competente para apreciar aquele pedido.

  1. O pedido de emissão do mandado judicial foi formulado, em 2008, junto do Tribunal da comarca do Baixo Vouga e, em 2010, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, ao abrigo do artº95, nº3 do DL 555/99, de 16.12, alterado pelo DL 177/2001, de 04.06 (cf. doc. nº1 e nº2, respectivamente, junto com a petição).

    Dispõe o supra citado preceito:Artigo 95.º Inspecções 1 - Os funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras ou as empresas privadas a que se refere o n.º 5 do artigo anterior podem realizar inspecções aos locais onde se desenvolvam actividades sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma, sem dependência de prévia notificação.

    2 - O disposto no número anterior não dispensa a obtenção de prévio mandado judicial para a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento.

    3 - O mandado previsto no número anterior é concedido pelo juiz da comarca respectiva a pedido do presidente da câmara municipal e segue os termos do procedimento cautelar comum. (negrito nosso) O juiz da comarca declarou-se materialmente incompetente, acolhendo as razões que constam do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT