Acórdão nº 016/06 de Tribunal dos Conflitos, 29 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCÂNDIDO DE PINHO
Data da Resolução29 de Novembro de 2006
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam no Tribunal de Conflitos I- A…, inconformada com o teor do acórdão da Relação do Porto que, em sede de recurso de agravo da decisão proferida em 7/11/2005 do Tribunal Judicial de Santo Tirso nos autos de acção de condenação sob a forma ordinária intentada contra o Estado Português, manteve a incompetência em razão da matéria daquele tribunal para conhecer dos pedidos ali formulados - entre os quais o da condenação em pagamento de indemnização - reconhecendo-a, por outro lado, aos Tribunais Administrativos e Fiscais, recorre para este Tribunal de Conflitos, ao abrigo do disposto no art. 107º, nº2, do CPC.

Nas alegações, concluiu da seguinte maneira: «lª A Recorrente alegou, na conclusão 7ª das alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que "o direito violado tem a natureza de direito absoluto, e, como tal, a sua tutela efectiva faz-se nos tribunais comuns".

  1. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre esta matéria; por isso o douto acórdão recorrido é nulo (art°. 668°.1, d) ex vi art°, 716°,1, ambos do CPC).

    Sem prescindir: 3ª Os tribunais administrativos e fiscais apreciam e julgam os conflitos emergentes de relações jurídicas administrativas ou fiscais, mas não as de direito penal ou civil.

  2. Os tribunais comuns são os tribunais competentes para o cidadão aí se defender de factos praticados pela A.F., mesmo que estes se baseiem numa relação jurídica fiscal, por ela alegada mas inexistente.

  3. Nos tribunais administrativos e fiscais o cidadão pode pedir a revogação desse acto, mas isso não impede que ele, pela via da acção e dos procedimentos cautelares cíveis, defenda a posse e propriedade dos seus bens nos tribunais comuns.

  4. Os direitos patrimoniais, tal como os direitos de natureza de personalidade, são direitos absolutos, com a natureza de direitos fundamentais do cidadão (art°. 1305°. do CC e actos. 62°, 17° e 16°, 2 da CRPP, com referência ao art. 17°. da Decl. Univ. dos Dtos do Homem).

  5. Os direitos patrimoniais, mormente o direito de propriedade, são direitos de natureza civi1, competindo aos tribunais comuns assegurar a defesa dos interesses emergentes desses direitos, quando violados (arts. 1311°. e segts. do CC e arts. 202°.2 e 211°,1, lª parte da CRP).

  6. O disposto no art. 4°. do ETAF, mormente na al. a) do seu nº 1, terão que ser interpretados de harmonia com o princípio da interpretação das leis conforme a Constituição e os princípios da unidade do sistema jurídico, este imanente ao princípio de direito, consagrado no art. 1°, da Constituição e reconhecido no art° 8°,1 do CC, bem como com o disposto nos já aludidos arts. 62°, 17º, 16°, 2, 202°,2 e 211°,1 da Constituição, e ainda com o disposto no nº 3 do art. 212°, da Lei Fundamental.

  7. Assim, aos tribunais administrativos e fiscais compete apreciar os conflitos emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais, mas não retira aos tribunais comuns o dever de apreciar os factos praticados pela Administração Pública que violem direitos absolutos cuja defesa seja da competência dos tribunais comuns, sob pena de violar o disposto no art°. 13° da CRP, mormente quando a AF inventa relações tributárias inexistentes.

  8. Doutro modo, com o pretexto da existência de uma relação jurídica administrativa ou fiscal, invocando normas jurídicas administrativas ou fiscais, com total despropósito, ao contrário do que poderiam fazer os sujeitos de direito provado, e abusando assim dos inconstitucionais princípios da presunção de legalidade dos seus actos e do benefício da execução prévia, a A.F. ficava com o campo aberto para criar situações de facto altamente gravosas para os cidadãos, que assim ficavam impedidos de reagir pela via da acção e meios cautelares comuns.

  9. Esta dualidade não é suprida com o recurso aos tribunais administrativos e fiscais, nomeadamente quando estão em causa factos praticados pela A.F., pois, na jurisdição fiscal, não existem para os sujeitos de direito privado os meios pertinentes, p. ex., os procedimentos cautelares de defesa reivindicação e defesa da posse e da propriedade.

  10. Os direitos dominiais têm pois a natureza de direito civil, competindo aos tribunais comuns a apreciação das questões relativas à defesa dos interesses protegidos por esses direitos, mesmo quando o facto violador vem enroupado com a capa de uma relação jurídica administrativa ou fiscal. Por isso os tribunais comuns, como tribunais de jurisdição plena, não podem deixar de averiguar se, por baixo da capa, está coisa séria ou coisa ilícita.

  11. Deste modo de ver as coisas resulta que o disposto na al. a) do nº, 1, do art. 4°, do ETAF não foi interpretado de harmonia com as normas constitucionais aqui invocadas; mas se o seu sentido é aquele que lhe foi dado nas interpretações recorridas, então essa norma é...

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