Acórdão nº 03/06 de Tribunal dos Conflitos, 04 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução04 de Outubro de 2006
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam no Tribunal de Conflitos: 1.

1.1. A…, com os sinais dos autos, propôs acção emergente de contrato individual de trabalho contra a B…., pedindo a condenação da Ré: a) a reconhecer que a renda mensal paga pela habitação do A., enquanto seu representante na Venezuela, no Senegal e ria República da África do Sul, constituía subsídio de renda de casa que era devido como retribuição; b) a regularizar a situação junto do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social (CDSSS) de Lisboa, declarando a totalidade das remunerações correspondentes ao subsídio de renda de casa e efectuando os pagamentos das contribuições em dívida; c) a entregar no mesmo CDSSS as quantias que reteve a título de contribuições do A. para a Segurança Social sobre um complemento de retribuição auferido pelo Natal dos anos de 1992 a 1996, no valor de €6.718,75; d) a pagar ao A. as quantias em que este vier a ter agravada a tributação em sede de IRS, em consequência das regularizações, a liquidar em execução de sentença.

A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção.

E, deduzindo reconvenção, pediu a condenação do A. a pagar-lhe a quantia de €38.048,65, acrescida de juros.

Na audiência de julgamento o A. reduziu o pedido de entrega de contribuições no CDSSS formulado na ai. c) para a quantia de €1.650,26, o que foi admitido. Na sentença de primeira instância, Tribunal do Trabalho julgou-se incompetente para conhecer do pedido de condenação da Ré a entregar os descontos retidos sobre as "utilidades" pagas ao A., em 1996 - pedido constante da al. c) -, e a Ré foi absolvida do pedido quanto ao mais - pedidos constantes das als, a), b) e d).

Foi ainda julgado extinto, por prescrição, o crédito invocado na reconvenção e o A. absolvido do correspondente pedido.

1.2. Não se conformando com tal decisão, o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, restringindo o recurso à parte da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados nas alíneas a) e b) do seu petitório.

Por acórdão de fls. 490 e ss., o Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação, confirmando, consequentemente a sentença recorrida.

1.3. Mais uma vez inconformado, o A., interpôs recurso de revista para o STJ, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: «1ª A renda da casa paga mensalmente pela habitação do A. enquanto esteve destacado ao serviço da R., constituía retribuição em espécie, como se previa no n.° 2 do art.° 82° do revogado D.L. n.° 49.408, de 24 de Novembro de 1969; 2ª Assim, como se estipula na alínea m) do art.° 2° de Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, sobre o valor de cada renda mensal incidiam as taxas contributivas para a segurança social; 3ª Competia à R., como se estipulava no n.° 3 do art.° 24° da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto, proceder mensalmente à entrega das contribuições devidas, as suas e as do A., nos serviços competentes da Segurança Social.

  1. O Tribunal do Trabalho é competente, em razão da matéria, para conhecer e decidir do pedido do pagamento e entrega pela R. dos descontos para a Segurança Social, uma vez que este pedido emerge de relação conexa com a relação de trabalho entre A. e R. por dependência e cumula-se com pedido para o qual o Tribunal é directamente competente.

  2. Decidindo como decidiu, confirmando a sentença da ? instância, o Acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art.° 82° do (ora) revogado D.L. n.° 49.408, de 24 de Novembro de 1969, na al. m) do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, no art.° 24° da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto, e nas alíneas b) e o) da Lei 3/99, de 3 de Janeiro».

A ré contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.

1.5. Pelo acórdão de fls. 556 e segs., o Supremo Tribunal de Justiça considerou verificada a situação prevista no art.107°, n.° 2 do CPC e ordenou a remessa dos autos para este Tribunal dos Conflitos.

Aqui, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 576 a 578, no sentido de que deverá julgar-se o Tribunal do Trabalho de Lisboa incompetente para conhecer da acção intentada pelo recorrente e competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais.

1.6. Notificadas as partes do dito parecer e obtidos os vistos dos Senhores Juízes Conselheiros designados para intervir no conflito, cumpre decidir.

  1. Decidindo: 2.1. As instâncias consideraram provados os seguintes factos: «1. O A. foi admitido ao serviço da R. em 25 de Outubro de 1966, para lhe prestar a sua actividade, sob as suas ordens, direcção e fiscalização.

  2. O A. esteve ininterruptamente ao serviço da R. desde a data da sua admissão até 05 de Junho de 2002, data em que o A. passou à situação de reforma por velhice antecipada, com efeitos a partir de 23 de Maio de 2002.

  3. Desde 02 de Fevereiro de 1990 até 31 de Dezembro de 1996 o A. desempenhou as funções de Representante/Delegado da R. na Venezuela.

  4. Para o efeito o A. e a R. subscreveram o "Acordo" constante a fls. 87 a 91 dos autos (doc. nº 1 junto com a contestação) e o "Acordo de deslocação" constante a fls 92 a 94 dos autos (doc. n° 2 junto com a contestação).

  5. Até Março de 1992 o A. esteve alojado em hotéis, pagos pela R..

  6. A partir de Abril de 1992 o A. esteve alojado numa casa arrendada.

  7. Para o efeito o A. subscreveu, na qualidade de arrendatário, o contrato de arrendamento constante a fls 8 a 10 dos autos (doc. n° 3 junto com a petição inicial).

  8. As rendas eram pagas à senhoria pela R., e os respectivos recibos eram emitidos ou em nome do A., na qualidade de "presidente" ou "Director geral" da R., ou em nome da R..

  9. A aludida renda teve o valor mensal de USD 3 300,00 até Dezembro de 1995 e de USD 2 800,00 a partir de Janeiro de 1996.

  10. Em 29.11.1982 a R. publicou a Ordem Geral de Serviço (OGS) A5-25-82, a qual contém o Estatuto do Pessoal Deslocado no Estrangeiro, e consta a fls 135 a 145 destes autos (doc. n° 44 junto com a contestação).

  11. Em 20.4.1992 a R. publicou a OGS n° 3/92, a qual contém o Estatuto do Pessoal Deslocado por mais de 90 dias no Estrangeiro, com efeitos a partir de 01.5.1992 e consta a fls 156 a 177 destes autos (doc. n°55 junto com a contestação).

  12. Em 11.12.1995, tendo recebido da senhoria o pedido de a renda passar a ser paga numa conta em dólares americanos nos Estados Unidos da América, tendo como contrapartida a sua redução para USD 2 800,00, o A. pediu instruções à R., nos termos da comunicação constante a fls 134 dos autos (doc. n°43 junto com a contestação).

  13. No "Acordo" referido em 4 ficou estipulado que, sem prejuízo de eventuais e futuras actualizações, o A. auferiria uma remuneração global calculada na base anual de USD 49 000,00, a qual incluiria quaisquer prestações remuneratórias porventura estabelecidas pela legislação local, as quais, a existirem, importariam o desdobramento daquela retribuição global, em conformidade.

  14. Os serviços administrativos da delegação da R. na Venezuela processavam a aludida remuneração anual em 15 prestações mensais, incluindo subsídio de férias e de Natal e, no final de cada ano, uma 15ª prestação, a qual, conjugada com a 14ª prestação, era designada na Venezuela por "utilidades".

  15. Os serviços administrativos da delegação da R. na Venezuela, ao calcularem o valor das "utilidades" (14ª e 15ª prestação) a serem pagas em cada ano ao A., incluíram nelas o valor das rendas referidas em 8 e 9, por entenderem que tal era imposto pela legislação venezuelana.

  16. Os serviços centrais da R. autorizaram e procederam ao pagamento ao A. das utilidades referidas em 2.15.

  17. A título de "utilidades" correspondentes às aludidas rendas o A. recebeu da R. os seguintes valores: Esc. 901 064$00 (€ 4 494,49) em 1992; Esc. 1 055 634$00 (€ 5 265,48) em 1993; Esc. 1189 138$00 (€5 931,40) em 1994; Esc. 975 986$00 (€4 868,20) em 1995; Esc. 828 109$00 (€4 130,59) em 1996.

  18. No ano de 1996 a R. fez incidir, sobre o total da quantia recebida pelo A. a titulo de "utilidades", no valor de USD 15 225,76, o desconto de 11%, destinado à segurança social portuguesa.

  19. Para produzir efeitos em 01.7.1997, em 04.6.1997 a R. emitiu a OGS n° 03/97, a qual aprovou o novo Estatuto do Pessoal Deslocado por mais de 90 dias no Estrangeiro, o qual substitui o estatuto anteriormente aprovado, e consta a fls 178 a 197 destes autos (doc. n° 56, junto com a contestação).

  20. Desde Janeiro de 1997 até 31 de Maio de 2000, o A. desempenhou as funções de representante da R. no Senegal.

  21. Em 20.12.1996 a R. enviou ao A. o memorando documentado a fls 198 destes autos (doc. n° 57 junto com a contestação), enunciando as "condições básicas" da sua "expatriação" no Senegal, o qual o A. aceitou, com a ressalva "no pressuposto do respeito da legislação aplicável e em vigor".

  22. Nos primeiros meses o A. esteve alojado num hotel.

  23. A partir de Agosto de 1997 o A. esteve alojado numa casa arrendada.

  24. Para o efeito o A. subscreveu o contrato de arrendamento constante a fls 11 a 15 dos autos (doc. n° 4 junto com a petição inicial).

  25. As rendas eram pagas à senhoria pela R., e os respectivos recibos eram emitidos ou em nome de "Monsieur A… (B…)" ou em nome da R..

  26. No Senegal a renda teve o valor mensal de F CFA 1 450,400.

  27. Desde, pelo menos, Outubro de 2000, e até Fevereiro de 2002, o A. desempenhou as funções de representante da R. na África do Sul.

  28. O A. esteve alojado numa casa arrendada, desde 14 de Outubro de 2000, tendo para o efeito a R. celebrado o contrato de arrendamento constante a fls 16 a 21 dos autos (doc. n° 5 junto com a p.i.).

  29. As rendas eram pagas pela R. ao senhorio e os recibos eram emitidos em nome da R..

  30. As rendas tiveram os seguintes valores mensais: R. 9 290,34, no período de 14 a 31 de Outubro de 2000; R 16 600,00, de Novembro de 2000 a Outubro de 2001; R 17 600,00, de Novembro de 2001 até Fevereiro de 2002.

  31. A R. nunca fez incluir nas folhas de remuneração enviadas à Segurança Social, relativas ao A., prestações a titulo de subsidio de renda de casa, nem sobre elas fez incidir contribuições».

    2.2...

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